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Há 6 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Caridade → mandamento novo .

Misturado entre a multidão, um daqueles peritos que já não conseguiam discernir os ensinamentos revelados a Moisés, porque eles mesmos os haviam emaranhado numa estéril casuística, fez uma pergunta ao Senhor. Jesus abre os seus lábios divinos para responder a esse doutor da Lei e diz-lhe pausadamente, com a segura persuasão de quem fala por experiência: Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento. Este é o primeiro e o maior mandamento. O segundo é semelhante a este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. A estes dois mandamentos se reduz toda a Lei e os profetas.

Reparai agora no Mestre reunido com os seus discípulos, na intimidade do Cenáculo. Aproxima-se o momento da sua Paixão, e o Coração de Cristo, rodeado daqueles a quem ama, estala em labaredas inefáveis: Dou-vos um mandamento novo, confia-lhes: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei; e que, como eu vos amei, assim também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros.

Para nos aproximarmos do Senhor através das páginas do Santo Evangelho, recomendo sempre que nos esforcemos por meter-nos de tal modo na cena, que dela participemos como um personagem mais. Sei de tantas almas normais e comuns que o fazem! Assim chegaremos a ensimesmar-nos, como Maria de Betânia, que permanecia pendente das palavras de Jesus; ou nos atreveremos, como Marta, a manifestar-lhe sinceramente as nossas inquietações, até as mais insignificantes.

Senhor! Por que chamas novo a este mandamento? Como acabamos de escutar, o amor ao próximo já estava prescrito no Antigo Testamento, e todos nos lembramos também de que Jesus, logo nos começos da sua vida pública, ampliou essa exigência com divina generosidade: Ouvistes o que foi dito: amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu vos peço mais: amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos aborrecem e orai pelos que vos perseguem e caluniam.

Senhor! Permite-nos insistir: por que continuas chamando novo a este preceito? Naquela noite, poucas horas antes de te imolares na Cruz, durante essa conversa cheia de intimidade com os que - apesar das suas fraquezas e misérias pessoais, como as nossas - te haviam acompanhado até Jerusalém, Tu nos revelaste a medida insuspeitada da caridade: como eu vos amei. Como não haviam de entender-te os Apóstolos, se tinham sido testemunhas do teu amor insondável!

A pregação e o exemplo do Mestre são claros, precisos. Sublinhou com obras a sua doutrina. E, no entanto, tenho pensado muitas vezes que, depois de vinte séculos, esse mandamento ainda continua a ser novo, porque muito poucos homens se preocuparam de praticá-lo; a maioria preferiu e prefere não tomar conhecimento. Com um egoísmo exacerbado, concluem: Para que mais complicações, se já me bastam e me sobram as minhas?

Não é concebível semelhante atitude entre os cristãos. Se professamos essa mesma fé, se deveras ambicionamos pôr os pés sobre o trilho nítido que deixaram na terra as pegadas de Cristo, não devemos conformar-nos com a preocupação de evitar aos outros os males que não desejamos para nós mesmos. Isso é muito, mas é pouco, quando compreendemos que a medida do nosso amor se define pelo comportamento de Jesus. Além disso, Ele não nos propõe essa norma de conduta como uma meta longínqua, como o coroamento de toda uma vida de luta. É - deve ser, insisto, para que o traduzas em propósitos concretos - o ponto de partida, porque Nosso Senhor o estabelece como sinal prévio: Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos.

Jesus Cristo, Nosso Senhor, encarnou-se e assumiu a nossa natureza para se mostrar à humanidade como modelo de todas as virtudes. Aprendei de mim - convida-nos Ele -, que sou manso e humilde de coração. Mais tarde, porém, quando explicar aos Apóstolos o sinal pelo qual serão reconhecidos como cristãos, não lhes dirá: porque sois humildes. Ele é a pureza mais sublime, o Cordeiro imaculado; nada podia macular a sua santidade perfeita, sem mancha. Mas também não afirma: perceberão que estão diante dos meus discípulos porque sois castos e limpos. Passou por este mundo no mais completo desprendimento dos bens da terra; sendo o Criador e Senhor de todo o Universo, faltava-lhe até um lugar onde reclinar a cabeça. No entanto, não comenta: saberão que sois dos meus porque não vos apegastes às riquezas. Permanece durante quarenta dias, com suas noites, no deserto, em jejum rigoroso, antes de se dedicar à pregação do Evangelho. E, do mesmo modo, não assevera aos seus: compreenderão que servis a Deus porque não sois comilões nem bebedores.

A característica que distinguirá os apóstolos, os cristãos autênticos de todos os tempos, já a ouvimos: Nisto - precisamente nisto - conhecerão todos que sois meus discípulos, em que tendes amor uns aos outros.

Parece-me perfeitamente lógico que os filhos de Deus se tenham sentido sempre profundamente tocados - como tu e eu nestes momentos - com essa insistência do Mestre. Como prova da fidelidade dos seus discípulos, o Senhor não estabelece os prodígios ou os milagres inauditos, embora lhes tenha conferido o poder de os realizar, no Espírito Santo. Que lhes comunica? Saberão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros.

Com o nome de próximo - diz São Leão Magno -, não devemos considerar apenas os que se unem a nós pelos laços da amizade ou do parentesco, mas todos os homens, com quem temos uma comum natureza . Um só Criador nos fez, um só Criador nos deu a alma. Todos desfrutamos do mesmo céu e do mesmo ar, dos mesmos dias e das mesmas noites, e embora uns sejam bons e outros maus, uns justos e outros injustos, Deus, no entanto, é generoso e benigno com todos.

Os filhos de Deus forjam-se na prática desse mandamento novo, aprendem na Igreja a servir e não a ser servidos, e sentem-se com forças para amar a humanidade de um modo novo, em que todos perceberão o fruto da graça de Cristo. O nosso amor não se confunde com a atitude sentimental, nem com a simples camaradagem, nem com o propósito pouco claro de ajudar os outros para provarmos a nós mesmos que somos superiores. É conviver com o próximo, venerar - insisto - a imagem de Deus que há em cada homem, procurando que também ele a contemple, para que saiba dirigir-se a Cristo.

Universalidade da caridade significa, por isso, universalidade do apostolado; significa traduzirmos em obras e de verdade o grande empenho de Deus, que quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade.

Se devemos amar também os inimigos - refiro-me aos que nos incluem entre os seus inimigos; eu não me sinto inimigo de ninguém nem de nada -, temos de amar com mais razão os que simplesmente estão longe, os que nos são menos simpáticos, os que, pela sua língua, pela sua cultura ou educação, se parecem ao que há de mais oposto a ti e a mim.

Como orar? Atrevo-me a garantir, sem receio de me enganar, que há muitas maneiras de orar: infinitas, poderia dizer. Mas eu quereria para todos nós a autêntica oração dos filhos de Deus, não o palavreado dos hipócritas, que ouvirão Jesus dizer-lhes: Nem todo aquele que diz: Senhor!, Senhor!, entrará no reino dos céus. Os hipócritas podem conseguir talvez o ruídoda oração - escrevia Santo Agostinho -, mas não a sua voz, porque aí falta vida e está ausente o afã de cumprir a Vontade do Pai. Que o nosso clamar - “Senhor!” - se una ao desejo eficaz de converter em realidade as moções interiores que o Espírito Santo nos desperta na alma.

Temos de esforçar-nos para que não haja em nós a menor sombra de duplicidade. O primeiro requisito para desterrar esse mal, que o Senhor condena duramente, é procurar comportar-se com a disposição clara, habitual e atual, de aversão ao pecado. Energicamente, com sinceridade, devemos sentir - no coração e na cabeça - horror ao pecado grave. E, numa atitude profundamente arraigada, temos que abominar também o pecado venial deliberado, essas claudicações que, embora não nos privem da graça divina, debilitam os canais por onde ela nos chega.

Nunca me cansei, e, com a graça de Deus, nunca me cansarei de falar de oração. Por volta de 1930, quando se aproximavam deste sacerdote, então jovem, pessoas de todas as condições - universitários, operários, sãos e enfermos, ricos e pobres, sacerdotes e leigos -, que procuravam acompanhar o Senhor mais de perto, sempre lhes dava este conselho: Rezem! E se algum deles me respondia: Nem sequer sei como começar, recomendava-lhe que se colocasse na presença do Senhor e lhe manifestasse a sua inquietação, a sua aflição, com essa mesma queixa: Senhor, não sei! E, quantas vezes!, naquelas humildes confidências se concretizava a intimidade com Cristo, uma relação assídua com Ele.

Transcorreram muitos anos, e não conheço outra receita. Quem não se considere preparado, recorra a Jesus, como faziam os seus discípulos: Ensina-nos a orar! Logo verificará como o Espírito Santo ajuda a nossa fraqueza; pois, não sabendo o que havemos de pedir nas nossas orações, nem a forma conveniente de exprimir-nos, o próprio Espírito ora por nós com gemidos inenarráveis, que não se podem contar, porque não há formas adequadas para descrever a sua profundidade.

Que firmeza deve produzir em nós a palavra divina! Não inventava nada quando - ao longo do meu ministério sacerdotal - repetia e repito incansavelmente esse conselho. Foi tirado da Escritura Santa; foi lá que o aprendi: Senhor, não sei dirigir-me a ti! Senhor, ensina-nos a orar! E logo vem toda essa assistência amorosa - luz, fogo, vento impetuoso - do Espírito Santo, que ateia a chama e a torna capaz de provocar incêndios de amor.