Lista de pontos

Há 4 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Primeiros cristãos .

Poderia explicar qual é a missão central e os objetivos do Opus Dei? Em que precedentes baseou suas idéias sobre a Associação? Ou é o Opus Dei algo único, totalmente novo dentro da Igreja e da Cristandade? Pode ser comparado às ordens religiosas e aos institutos seculares, ou a associações católicas do tipo, por exemplo, da "Holy Name Society", os "Cavaleiros de Colombo", o "Christopher Movement", etc?

O Opus Dei tem por fim promover entre pessoas de todas as classes da sociedade o desejo da plenitude da vida cristã no meio do mundo. Quer dizer, o Opus Dei pretende ajudar as pessoas que vivem no mundo — o homem vulgar, o homem da rua — a levar uma vida plenamente cristã, sem modificar seu modo normal de vida, nem seu trabalho ordinário, nem suas aspirações e anseios.

Por isso se pode dizer, como escrevi há muitos anos, que o Opus Dei é velho como o Evangelho e, como o Evangelho, novo. É lembrar aos cristãos as maravilhosas palavras que se lêem no Gênesis: Deus criou o homem para trabalhar. Detivemo-nos no exemplo de Cristo, que passou quase toda a vida na terra trabalhando como artesão numa aldeia. O trabalho não é apenas um dos mais altos valores humanos e meio com que os homens devem contribuir para o progresso da sociedade; é também caminho de santificação.

A que outras organizações poderíamos comparar o Opus Dei? Não é fácil encontrar uma resposta, porque, ao tentar comparar entre si organizações de finalidades espirituais, corre-se o risco de ficar nos traços externos ou nas denominações jurídicas, esquecendo o mais importante: o espírito que dá vida e razão de ser a todo o trabalho.

Limitar-me-ei a dizer-lhes que, relativamente às organizações que mencionou, o Opus Dei está muito longe das ordens religiosas e dos institutos seculares, e mais próximo de instituições como a Holy Name Society.

O Opus Dei é uma organização internacional de leigos, a que também pertencem sacerdotes seculares (uma exígua minoria em comparação com o total de sócios). Seus sócios são pessoas que vivem no mundo e nele exercem a sua profissão ou ofício. Não entram no Opus Dei para abandonar esse trabalho, antes, pelo contrário, para encontrar uma ajuda espiritual que os leve a santificar o seu trabalho ordinário e a convertê-lo também em meio de santificar-se e de ajudar os outros a santificar-se. Não mudam de estado — continuam a ser solteiros, casados, viúvos ou sacerdotes —, mas procuram servir a Deus e aos outros homens dentro do seu próprio estado. O Opus Dei não está interessado em votos ou promessas; o que pede aos seus sócios é que, no meio das deficiências e erros próprios de toda a vida humana, se esforcem por praticar as virtudes humanas e cristãs, sabendo-se filhos de Deus.

Se se quer procurar um termo de comparação, o modo mais fácil de entender o Opus Dei é pensar na vida dos primeiros cristãos. Eles viviam profundamente a sua vocação cristã; procuravam seriamente a perfeição a que estavam chamados pelo fato, simples e sublime, do Batismo. Não se distinguiam exteriormente dos demais cidadãos. Os sócios do Opus Dei são pessoas comuns; desenvolvem um trabalho corrente; vivem no meio do mundo de acordo com o que são: cidadãos cristãos que querem corresponder cabalmente às exigências da sua fé.

Sabemos que pertencem ao Opus Dei homens e mulheres de todas as condições sociais, solteiros ou casados. Qual é, então, o elemento comum que caracteriza a vocação para a Obra? Que compromissos assume cada sócio para realizar os fins do Opus Dei?

Vou dizê-lo em poucas palavras: é procurar chegar à santidade em meio do mundo, no meio da rua. Quem recebe de Deus a vocação específica para o Opus Dei sabe — e vive — que deve alcançar a santidade em seu próprio estado, no exercício de seu trabalho, manual ou intelectual. Disse sabe e vive, porque não se trata de aceitar um simples postulado teórico, mas de realizá-lo dia a dia, na vida ordinária.

Querer atingir a santidade — apesar dos erros e das misérias pessoais, que hão de durar enquanto vivermos — significa esforçar-se, com a graça de Deus, por viver a caridade, plenitude da lei e vínculo da perfeição. A caridade não é algo abstrato; significa entrega real e total ao serviço de Deus e de todos os homens: desse Deus que nos fala no silêncio da oração e no rumor do mundo; desses homens cuja existência se entrecruza com a nossa.

Vivendo a caridade — o Amor —, vivem-se todas as virtudes humanas e sobrenaturais do cristão, que formam uma unidade e que não se podem reduzir a enumerações exaustivas. A caridade exige que se viva a justiça, a solidariedade, a responsabilidade familiar, a alegria, a castidade, a amizade…

Logo se vê que a prática destas virtudes leva ao apostolado. Mais ainda: já é apostolado. Com efeito, quando se procura viver assim em meio do trabalho diário, a conduta cristã se transforma em bom exemplo, em testemunho, em ajuda concreta e eficaz; aprende-se a seguir as pegadas de Cristo, que coepit facere et docere (At 1, 1), que começou a fazer e a ensinar, unindo ao exemplo a palavra. Por isso chamei a este trabalho, faz quarenta anos, apostolado de amizade e de confidência.

Todos os sócios do Opus Dei têm este mesmo anseio de santidade e de apostolado. Por isso, na Obra não há graus ou categorias de sócios. O que existe é uma multiplicidade de situações pessoais — a situação que cada um tem no mundo — a que se acomoda a mesma e única vocação específica e divina: o chamado para que se entreguem, para que se empenhem pessoalmente , no cumprimento da vontade de Deus que lhe é manifestada.

Como se vê, o fenômeno pastoral do Opus Dei é algo que nasce de baixo para cima, isto é, a partir da vida corrente do cristão que vive e trabalha junto dos outros homens. Não está na linha da mundanização — dessacralização — da vida monástica ou religiosa; não é a última fase do movimento de aproximação dos religiosos ao mundo.

Quem recebe a vocação para o Opus Dei adquire uma nova visão das coisas que o rodeiam: luzes novas em suas relações sociais, em sua profissão, em suas preocupações, em suas tristezas e suas alegrias; mas nem por um instante deixa de viver em meio de tudo isso. E não é cabível, de maneira nenhuma, falar de adaptação ao mundo ou à sociedade moderna: ninguém se adapta ao que tem como próprio; no que se tem como próprio, se está. A vocação recebida é igual à que surgia na alma daqueles pescadores, camponeses comerciantes ou soldados que, sentados ao pé de Jesus Cristo na Galiléia, Lhe ouviam dizer: sede perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito (Mt 5, 48).

Esta perfeição, repito — a perfeição procurada pelo sócio do Opus Dei —, é a perfeição própria do cristão, sem mais: quer dizer, aquela a que todo cristão é chamado e que implica viver integralmente as exigências da fé. Não nos interessa a perfeição evangélica, que se considera própria dos religiosos e de algumas instituições assemelhadas aos religiosos; e menos ainda nos interessa a chamada vida de perfeição evangélica, que se refere canonicamente ao estado religioso.

O caminho da vocação religiosa me parece abençoado e necessário na Igreja; e não teria o espírito da Obra quem o não estimasse. Mas esse caminho não é o meu, nem o dos sócios do Opus Dei. Pode-se dizer que ao virem para o Opus Dei, todos e cada um de seus sócios o fizeram com a condição explícita de não mudar de estado. Nossa característica específica é santificar o estado que temos no mundo, santificando-se cada um dos sócios no lugar de seu encontro com Cristo: este é o compromisso assumido por cada sócio para realizar os fins do Opus Dei.

Desculpe insistir no mesmo tema: através de cartas que chegam à Redação, sabemos que algumas mães de família numerosa se queixam de se verem reduzidas ao papel de trazer filhos ao mundo, sentindo uma insatisfação muito grande por não poderem dedicar sua vida a outros campos: trabalho profissional, acesso à cultura, projeção social… Que conselhos daria o senhor a essas pessoas?

Mas, vejamos: o que é a projeção social senão dar-se aos outros, com sentido de entrega e de serviço, e contribuir eficazmente para ao bem de todos? A atividade da mulher em casa não só constitui, já de si, uma função social, mas também facilmente pode ser a função social de maior projeção.

Imaginem o caso de uma família numerosa: aí a atividade da mãe é comparável — e muitas vezes vai mais longe — à dos educadores e formadores profissionais. Um professor consegue, talvez ao longo de uma vida inteira, formar mais ou menos bem um certo número de moços ou moças. Uma mãe pode formar seus filhos com profundidade, nos aspectos mais básicos, e pode fazer deles, por sua vez, outros formadores, criando-se assim uma cadeia ininterrupta de responsabilidade e de virtudes.

Também nestes temas é fácil deixar-se seduzir por critérios meramente quantitativos, e pensar: é preferível o trabalho de um professor, que vê passar por suas aulas milhares de pessoas, ou o de um escritor, que se dirige a milhares de leitores. Certo, mas… quantos formam realmente esse professor e esse escritor? Uma mãe tem a seu cuidado três, cinco, dez ou mais filhos; e pode fazer deles uma verdadeira obra de arte, uma maravilha de educação, de equilíbrio, de compreensão, de sentido cristão da vida, de maneira a serem felizes e chegarem a ser realmente úteis aos outros.

Por outro lado, é natural que os filhos e as filhas ajudem nas tarefas da casa: uma mãe que saiba preparar bem os seus filhos, pode conseguir isso, e dispor assim de oportunidades, de tempo que — bem aproveitado — lhe permita cultivar suas inclinações e talentos pessoais, e enriquecer sua cultura. Felizmente, não faltam hoje meios técnicos que, como sabem perfeitamente, poupam muito trabalho, se forem convenientemente utilizados e deles se tirar todo o rendimento possível. Nisto, como em tudo, são determinantes as condições pessoais: há mulheres que têm uma máquina de último modelo e demoram mais tempo a lavar — e o fazem pior — do que quando o faziam à mão. Os instrumentos só são úteis quando se sabem empregar.

Sei de muitas mulheres casadas e com bastantes filhos que tomam conta do seu lar perfeitamente e além disso acham tempo para colaborar em outras tarefas apostólicas, como fazia aquele casal da primitiva cristandade: Áquila e Priscila. Ambos trabalhavam em casa e no seu ofício, e foram também esplêndidos cooperadores de São Paulo: com sua palavra e com seu exemplo, levaram a fé de Jesus Cristo a Apolo, que depois foi um grande pregador da Igreja nascente. Conforme já disse, boa parte das limitações se podem superar, se de verdade se quer, sem deixar de cumprir dever algum. Na realidade, há tempo para fazer muitas coisas, para tomar conta do lar com senso profissional, para dar-se aos outros continuamente, para melhorar a cultura própria e para enriquecer a de outros, para realizar imensas tarefas eficazes.

Então, o senhor acha importante educar os filhos desde pequenos na vida de piedade? Pensa que na família se devem realizar alguns atos de piedade?

Considero que é precisamente o melhor caminho para dar aos filhos uma autêntica formação cristã. A sagrada Escritura nos fala dessas famílias dos primeiros cristãos — a Igreja doméstica, diz São Paulo (1 Cor. 16, 19) — , às quais a luz do Evangelho dava novo impulso e nova vida.

Em todos os ambientes cristãos se conhecem por experiência os bons resultados que dá essa natural iniciação na vida de piedade, feita ao calor do lar. A criança aprende a colocar o Senhor na linha dos primeiros afetos fundamentais, aprende a tratar a Deus como Pai e a Virgem Maria como Mãe, aprende a rezar seguindo o exemplo dos pais. Quando se compreende isto, vê-se a enorme tarefa apostólica que os pais podem realizar e como têm obrigação de ser sinceramente piedosos, para poderem transmitir — mais do que ensinar — essa piedade aos filhos.

E os meios? Há práticas de piedade — poucas, breves e habituais — que sempre se viveram nas famílias cristãs, e entendo que são maravilhosas: a benção da mesa, a oração antes e depois das refeições, a recitação do Terço em conjunto — apesar de não faltar, nestes tempos, quem ataque essa solidíssima devoção mariana — as orações pessoais ao levantar e ao deitar, Tratar-se-á de costumes diversos conforme os lugares; mas penso que sempre se deve fomentar algum ato de piedade, realizado conjuntamente pelos membros da família, de forma simples e natural, sem beatices.

Dessa maneira conseguiremos que Deus não seja considerado um estranho, a quem se vai ver uma vez por semana na Igreja, ao domingo. Que Deus seja visto e tratado como é na realidade, também no seio do lar, porque, como disse o Senhor, onde estão dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles (Mt 18, 20).

Digo com gratidão e com orgulho de filho, que continuo rezando — de manhã e à noite, e em voz alta — as orações que aprendi quando era criança, dos lábios de minha mãe. Essas orações me levam a Deus, me fazem sentir o carinho com que me ensinaram a dar meus primeiros passos de cristão; e, oferecendo ao Senhor o dia que começa ou dando-Lhe graças pelo que acaba, peço a Deus que aumente na glória a felicidade dos que especialmente amo, e depois nos mantenha unidos para sempre no Céu.