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Há 4 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Apostolado → através do trabalho.

Há quem, perante a existência de leigos do Opus Dei em lugares influentes da sociedade espanhola, fale da influência do Opus Dei na Espanha. Poderia explicar-nos qual é essa influência?

Incomoda-me profundamente tudo quanto se possa parecer a auto-elogio. Mas penso que não seria humildade, antes cegueira e ingratidão para com o Senhor — que tão generosamente abençoa o nosso trabalho —, não reconhecer que o Opus Dei influi realmente na sociedade Espanhola. No ambiente dos países onde a obra já trabalha há bastantes anos — na Espanha, concretamente, trinta e nove, porque foi da Vontade de Deus que a nossa Associação aqui nascesse para a vida da Igreja —, é lógico que este influxo já tenha notável relevância social, paralelamente ao desenvolvimento progressivo do trabalho.

De que natureza é essa influência? É evidente que. sendo uma Associação de fins espirituais, apostólicos, a natureza do seu influxo — na Espanha tal como nas outras nações onde trabalhamos — não pode ser senão desse tipo: uma influência espiritual, apostólica. Tal como sucede com a totalidade da Igreja — alma do mundo —, o influxo do Opus Dei na sociedade civil não é de caráter temporal — social, político, econômico, etc. —, ainda que na realidade venha a repercutir nos aspectos éticos de todas as atividades humanas; é, sim, um influxo de ordem diversa e superior, que se exprime com um verbo preciso: santificar.

E isto leva-nos ao tema das pessoas do Opus Dei que em sua pergunta classificou como influentes. Para uma Associação que tenha como fim fazer política, serão influentes aqueles dos seus membros que ocuparem um lugar no parlamento ou no conselho de ministros. Se a Associação é cultural, considerará influentes os membros que forem filósofos de fama, ou prêmios nacionais de literatura, etc. Se a Associação, pelo contrário, se propõe — como é o caso do Opus Dei — santificar o trabalho ordinário dos homens, seja ele material ou intelectual, é evidente que deverão considerar-se influentes todos os membros: porque todos trabalham — o genérico dever humano de trabalhar encontra na Obra especiais ressonâncias disciplinares e ascéticas — e porque todos procuram realizar seu trabalho — seja qual for — santamente, cristãmente, com desejo de perfeição. Por isso, para mim, tão influente — tão importante, tão necessário — é o testemunho de um dos meus filhos que seja mineiro, entre seus companheiros de trabalho, como o de outro que seja reitor de universidade, entre os restantes professores do claustro acadêmico.

De onde procede, pois, a influência do Opus Dei? A resposta é a simples consideração desta realidade sociológica: à nossa Associação pertencem pessoas de todas as condições sociais, profissões, idades e estados de vida; homens e mulheres, clérigos e leigos, velhos e jovens, solteiros e casados, universitários, pessoas que exercem profissões liberais ou que trabalham em instituições oficiais, etc. Já pensou no poder de irradiação cristã que uma gama tão ampla e tão variada de pessoas representa, sobretudo se andam pelas dezenas de milhar e estão animadas de um mesmo espírito: santificar sua profissão ou ofício — em qualquer ambiente social em que atuem —, santificar-se nesse trabalho e santificar com esse trabalho?

A estes trabalhos apostólicos pessoais deve acrescentar-se o de nossas obras corporativas de apostolado: Residências de estudantes, Casas de convívio e retiro. a Universidade de Navarra, Centros de formação para operários e camponeses, Escolas técnicas, Colégios, Escolas de formação para a mulher, etc. Estas obras têm sido e são indubitavelmente focos de irradiação do espírito cristão. Promovidas por leigos, dirigidas como um trabalho profissional por cidadãos leigos, iguais aos seus companheiros que desempenharam a mesma tarefa ou ocupação, e abertas a pessoas de todas as classes e condições, têm sensibilizado amplos estratos da sociedade sobre a necessidade de dar uma resposta cristã às questões que o exercício de suas profissões ou empregos lhes levanta.

Tudo isso é o que dá relevo e transcendência social ao Opus Dei. Não, portanto, a circunstância de alguns membros ocuparem cargos de influência humana — coisa que não nos interessa absolutamente nada, e que fica por isso sujeita à livre decisão e responsabilidade de cada um —, mas o fato de todos, e a bondade de Deus faz com que sejam muitos, realizarem trabalhos — desde os mais humildes — divinamente influentes.

E isso é lógico: quem pode pensar que a influência da Igreja nos Estados Unidos começou no dia em que foi eleito Presidente o católico John Kennedy?

Como explica o imenso êxito do Opus Dei e por que critérios mede o senhor esse êxito?

Quando um empreendimento é sobrenatural, pouco importam o êxito ou o fracasso, tal como se costumam entender vulgarmente. Já dizia São Paulo aos cristãos de Corinto que, na vida espiritual, o que interessa não é o juízo dos outros, nem o nosso próprio, mas o juízo de Deus.

É verdade que a Obra está hoje universalmente estendida: a ela pertencem homens e mulheres de cerca de 70 nacionalidades. Ao pensar nesse fato, eu mesmo me surpreendo. Não encontro para isso explicação humana alguma, a não ser a vontade de Deus, pois o Espírito sopra onde quer e serve-se de quem quer para levar a cabo a santificação dos homens. Tudo isso é para mim ocasião de ação de graças, de humildade e de oração a Deus, para saber sempre servi-Lo.

Pergunta-me também qual é o critério pelo qual meço e julgo as coisas. A resposta é muito simples; santidade, frutos de santidade.

O apostolado mais importante do Opus Dei é aquele que cada sócio realiza através do testemunho de sua vida e com a sua palavra, no convívio diário com seus amigos e colegas de profissão. Quem pode medir a eficácia sobrenatural deste apostolado calado e humilde? não se pode avaliar a ajuda que representa o exemplo de um amigo leal e sincero, ou a influência de uma boa mãe no seio da família.

Mas talvez a sua pergunta se refira aos apostolados corporativos que o Opus Dei leva a cabo, na suposição de que, neste caso, se podem medir os resultados do ponto de vista humano, técnico: se uma escola de capacitação operária consegue promover socialmente os homens que a freqüentam, se uma universidade dá a seus estudantes uma formação profissional e cultural adequadas. Admitindo que a sua pergunta tenha esse sentido, dir-lhe-ei que o resultado se pode explicar, em parte, por se tratar de tarefas realizadas por pessoas que as executam como atividade profissional específica, para a qual se prepararam como todo aquele que deseja realizar um trabalho sério. Isto quer dizer, entre outras coisas, que não se promovem essas obras de acordo com esquemas preconcebidos, mas que em cada caso se estudam as necessidades peculiares da sociedade em que se vão inserir, para adaptá-las às exigências reais.

Mas repito-lhe que o Opus Dei não se interessa primordialmente pela eficácia humana. O êxito ou o fracasso real desses trabalhos depende de que, sendo humanamente bem feitos, sirvam ou não para que, tanto os que realizam essas atividades como os que delas se beneficiem, amem a Deus, sintam-se irmãos de todos os demais homens e manifestem estes sentimentos num serviço desinteressado à humanidade.

O senhor tem falado do trabalho com freqüência. Poderia dizer que lugar ocupa o trabalho na espiritualidade do Opus Dei?

A vocação para o Opus Dei não altera nem modifica de maneira nenhuma a condição, o estado de vida, de quem a recebe. E, como a condição humana é o trabalho, a vocação sobrenatural para a santidade e para o apostolado segundo o espírito do Opus Dei confirma a vocação humana para o trabalho. A imensa maioria dos sócios da Obra são leigos, simples cristãos; a sua condição é a de quem tem uma profissão, um ofício, uma ocupação, muitas vezes absorvente, com a qual ganha a vida, mantém a família, contribui para o bem comum, desenvolve a personalidade.

A vocação para o Opus Dei vem confirmar tudo isso, a tal ponto que um dos sinais essenciais dessa vocação é precisamente viver no mundo e nele desempenhar um trabalho — contando, volto a dizer, com as próprias imperfeições pessoais — da maneira mais perfeita possível, tanto do ponto de vista humano quanto do sobrenatural. Quer dizer: um trabalho que contribua eficazmente para a edificação da cidade terrena — e que, por conseguinte seja feito com competência e com espírito de serviço — e para a consagração do mundo, sendo, portanto, santificante e santificado.

Os que querem viver com perfeição sua fé e praticar o apostolado segundo o espírito do Opus Dei, devem santificar-se com a profissão, santificar a profissão e santificar os outros com a profissão. Vivendo assim, sem se distinguirem portanto dos outros cidadãos, iguais àqueles que com eles trabalham, esforçar-se-ão paro identificar-se com Cristo, imitando seus trinta anos de trabalho na oficina de Nazaré.

Porque essa tarefa habitual é, não apenas o âmbito em que se devem santificar, mas também a própria matéria de sua santidade: no meio dos incidentes do dia a dia, eles descobrem a mão de Deus e encontram um estímulo para sua vida de oração. Os próprios afazeres profissionais põem-nos em contacto com outras pessoas — parentes, amigos, colegas — e com os grandes problemas que afetam a sociedade ou o mundo inteiro, deparando-lhes assim a ocasião de viverem essa entrega ao serviço dos outros, que é essencial aos cristãos. Assim, devem esforçar-se por dar um verdadeiro e autêntico testemunho de Cristo, para que todos aprendam a conhecer e a amar o Senhor, a descobrir que a vida normal no mundo, o trabalho de todos os dias, pode ser um encontro com Deus.

Por outras palavras: a santidade e o apostolado unem-se à vida dos sócios da Obra constituindo com ela uma só coisa; e por isso o trabalho é o eixo da sua vida espiritual. Sua entrega a Deus se insere no trabalho que desenvolviam antes de virem para a Obra e que continuam desempenhando depois.

Quando, nos primeiros anos de minha atividade pastoral, comecei a pregar essas coisas, algumas pessoas não me entenderam, outras se escandalizaram; estavam acostumadas a ouvir falar do mundo sempre em sentido pejorativo. O Senhor me havia feito entender — e eu procurava dá-lo a entender aos outros — que o mundo é bom, porque as obras de Deus são sempre perfeitas, e que fomos nós, os homens, que fizemos o mundo mau pelo pecado.

Dizia então, e continuo dizendo agora que temos de amar o mundo, porque no mundo encontramos a Deus, porque, nas ocorrências e acontecimentos do mundo, Deus se manifesta a nós e a nós se revela.

O mal e o bem se misturam na história humana, e por isso o cristão deve ser uma criatura capaz de discernir; mas esse discernimento não o deve levar nunca a negar a bondade das obras de Deus; pelo contrário, deve levá-lo a reconhecer o divino que se manifesta no humano, mesmo por trás de nossas próprias fraquezas. Um bom lema para a vida cristã se pode encontrar naquelas palavras do Apóstolo; todas as coisas são vossas, e vós de Cristo, e Cristo de Deus (1 Cor. 3, 22), afim de se realizarem assim os desígnios desse Deus que quer salvar o mundo.

Passando a um tema concreto: acaba de ser anunciada a abertura de uma Escola-Residência dirigida pela Seção Feminina do Opus Dei em Madrid, que se propõe criar um ambiente de família e proporcionar uma formação completa às empregadas domésticas, qualificando-as em sua profissão. Que influência acha o senhor que possa ter na sociedade esse tipo de atividades do Opus Dei?

Essa obra apostólica — há muitas semelhantes , orientadas por associadas do Opus Dei que trabalham juntamente com outras pessoas não pertencentes à nossa Associação — tem como fim principal dignificar a profissão das empregadas domésticas, de modo a poderem realizar seu trabalho com sentido científico. Digo com sentido científico porque é preciso que o trabalho do lar se desenvolva como o que realmente é: como uma verdadeira profissão.

Não se pode esquecer que se pretendeu apresentar esse trabalho como algo de humilhante. Não está certo. Humilhantes, sem dúvida, eram as condições em que muitas vezes se desenvolvia essa tarefa. E humilhantes continuam sendo agora, algumas vezes, porque trabalham segundo o capricho de patrões arbitrários, que não dão garantias de direitos àqueles que os servem, e também com escassa retribuição e sem afeto. É necessário exigir o respeito por um contrato de trabalho adequado, com garantias claras e precisas, e definir nitidamente os direitos e os deveres de cada parte.

É necessário — afora as garantias jurídicas — que a pessoa que presta esse serviço esteja habilitada, profissionalmente preparada. Serviço, disse — ainda que hoje a palavra não agrade — porque toda a tarefa social bem feita é isso; um serviço magnífico, tanto o trabalho da empregada doméstica como o do professor ou do juiz. Só não é serviço o trabalho de quem condiciona tudo ao seu próprio bem-estar.

O trabalho do lar é de primeira importância. Aliás, todos os trabalhos podem ter a mesma qualidade sobrenatural. não há tarefas grandes e pequenas: todas são grandes, se se fazem por amor. As que são tidas como tarefas de grande importância ficam diminuídas quando se perde o sentido cristão da vida. Pelo contrário, há coisas aparentemente pequenas que podem ser muito grandes pelas consequências reais que tenham.

Para mim, é tão importante o trabalho de uma minha filha associada do Opus Dei, que é empregada doméstica, como o trabalho de uma minha filha que tem um título nobiliárquico.

Nos dois casos, só me interessa que o trabalho realizado seja meio e ocasião de santificação pessoal e alheia. E será mais importante o trabalho da pessoa que, em sua própria ocupação e em seu próprio estado, for se tornando mais santa e cumprindo com mais amor a missão recebida de Deus.

Diante de Deus, tem tanta categoria a que é catedrática de uma Universidade quanto a que trabalha como comerciária, ou como secretária, ou como operária, ou como camponesa. Todas as almas são iguais; mas, às vezes, são mais formosas as almas das pessoas mais simples; e sempre são mais agradáveis ao Senhor as que tratam com mais intimidade a Deus Pai, a Deus Filho e a Deus Espírito Santo.

Com essa Escola que se abriu em Madrid, pode-se fazer muito: uma autêntica e eficaz ajuda à sociedade numa tarefa importante; e um trabalho cristão no seio do lar, levando às casas alegria, paz, compreensão. Poderia ficar falando horas sobre este tema, mas é suficiente o que disse para ver que considero o trabalho no lar como uma profissão de particular transcendência; porque com ele se pode fazer muito mal ou muito bem no próprio âmago das famílias. Esperemos que seja muito bem. Não faltarão pessoas que, com categoria humana, com competência e com impulso apostólico, façam dessa profissão uma ocupação alegre, de imensa eficácia em muitos lares do mundo.