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Há 3 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Coisas pequenas  → a santidade e as coisas pequenas .

O autêntico sentido cristão que professa a ressurreição de toda a carne — sempre combateu, como é lógico, a desencarnação , sem medo de ser tachado de materialista. É lícito, portanto, falar de um materialismo cristão, que se opõe audazmente aos materialismos cerrados ao espírito.

O que são os sacramentos — vestígios da Encarnação do Verbo, como afirmaram os antigos — senão a mais clara manifestação deste caminho escolhido por Deus para nos santificar e levar ao Céu? Não vêem que cada sacramento é o amor de Deus, com toda a sua força criadora e redentora, dando-se a nós através de meios materiais? O que é a Eucaristia — já iminente — senão o Corpo e Sangue adoráveis do nosso Redentor, que se oferece a nós através da humilde matéria deste mundo — vinho e pão — , através dos elementos da natureza, cultivados pelo homem, como o quis recordar o último Concílio Ecumênico?

Assim se compreende, meus filhos, que o Apóstolo chegasse a escrever: Todas as coisas são vossas, vós sois de Cristo e Cristo é de Deus. Trata-se de um movimento ascendente que o Espírito Santo, difundido em nossos corações, quer provocar no mundo; da terra até à glória do Senhor. E para ficar bem claro que — nesse movimento — se incluía também o que parece mais prosaico, São Paulo escreveu ainda: quer comais, quer bebais, fazei tudo para aglória de Deus.

Esta doutrina da Sagrada Escritura, que se encontra — como sabem — no próprio cerne do espírito do Opus Dei, deve levar-nos a realizar o trabalho com perfeição, a amar a Deus e aos homens pondo amor nas pequenas coisas da jornada habitual, descobrindo esse algo divino que se encerra nos detalhes. Que bem ficam aqui aqueles versos do poeta de Castela!: Despacito, y buena letra: el hacer las cosas bien importa más que el hacerlas1.

Eu lhes asseguro, meus filhos, que quando um cristão desempenha com amor a mais intranscendente das ações diárias, está desempenhando algo donde transborda a transcendência de Deus. Por isso tenho repetido, com insistente martelar, que a vocação cristã consiste em transformar em poesia heróica a prosa de cada dia. Na linha do horizonte, meus filhos, parecem unir-se o céu e a terra. Mas não: onde de verdade se juntam é no coração, quando se vive santamente a vida diária…

Viver santamente a vida diária, como acabo de dizer. E com estas palavras me refiro a todo o programa dos afazeres cristãos. Portanto, deixem-se de sonhos, de falsos idealismos, de fantasias, disso que costumo chamar de mística do oxalá: oxalá não me tivesse casado, oxalá não tivesse esta profissão, oxalá tivesse mais saúde, oxalá fosse jovem, oxalá fosse velho…; e atenham-se, pelo contrário, sobriamente, à realidade mais material e imediata, que é onde o Senhor está: olhai minhas mãos e meus pés — disse Jesus ressuscitado — , sou eu mesmo.Apalpaie vede que um espírito não tem carne e ossos, como vedes que eu tenho.

São muitos os aspectos do ambiente secular que se iluminam a partir destas verdades. Pensem, por exemplo, na atuação que têm como cidadãos na vida civil. Um homem ciente de que o mundo — e não só o templo — é o lugar do seu encontro com Cristo, ama este mundo, procura adquirir um bom preparo intelectual e profissional, vai formando — com plena liberdade — seus próprios critérios sobre os problemas do meio em que se desenvolve; e, por conseqüência, toma suas próprias decisões, as quais, por serem decisões de um cristão, procedem além disso de uma reflexão pessoal, que tenta humildemente captar a vontade de Deus nesses detalhes pequenos e grandes da vida.

Continuo mantendo a esperança — porque corresponde a um critério justo e à realidade vigente em muitos países — de que um dia o Estado Espanhol contribua, por sua parte, para aliviar os ônus de uma tarefa que não tem em vista proveito privado algum, pois — muito pelo contrário — , por estar totalmente votada ao serviço da sociedade, procura trabalhar com eficácia em prol da prosperidade presente e futura da nação.

E agora, filhos e filhas, permitam que me detenha em outro aspecto — particularmente entranhável — da vida ordinária. Refiro-me ao amor humano, ao amor limpo entre um homem e uma mulher, ao noivado, ao matrimônio. Devo dizer uma vez mais que esse santo amor humano não é algo permitido, tolerado, ao lado das verdadeiras atividades do espírito, como poderiam insinuar os falsos espiritualismos a que antes aludia. Faz quarenta anos que venho pregando, de palavra e por escrito, exatamente o contrário; e já o vão entendendo os que não o compreendiam.

O amor que conduz ao matrimônio e à família pode ser também um caminho divino, vocacional, maravilhoso, por onde corra, como um rio em seu leito, uma completa dedicação ao nosso Deus. Já o lembrei: realizem as coisas com perfeição, ponham amor nas pequenas atividades da jornada; Descubram — insisto — esse algo divino que nos detalhes se encerra: toda esta doutrina encontra lugar especial no espaço vital em que se enquadra o amor humano.

Já o sabem os professores, os alunos e todos os que dedicam seu trabalho à Universidade de Navarra: eu encomendei os amores de todos a Santa Maria, Mãe do Amor Formoso. E ai está a ermida que construímos com devoção, no campus universitário, para receber de todos as orações e a oblação desse maravilhoso e limpo amor, que Ela abençoa.

Não sabeis que vosso corpo é templo do Espírito Santo, recebido de Deus e que não vos pertenceis? Quantas vezes responderão, diante da imagem da Virgem Maria, da mãe do Amor Formoso, com uma afirmação cheia de júbilo à pergunta do Apóstolo: sim, nós o sabemos e queremos vivê-lo com tua ajuda poderosa, ó Virgem Mãe de Deus!

A oração contemplativa surgirá em todos sempre que meditarem nesta realidade impressionante: algo tão material como meu corpo foi escolhido pelo Espírito Santo para estabelecer sua morada…, não pertenço mais a mim…, meu corpo e minha alma — todo o meu ser — são de Deus… E essa oração será rica em resultados práticos, derivados da grande conseqüência que o próprio Apóstolo propõe: glorificai a Deus em vosso corpo.

Notas
1

Devagarinho,, e boa letra; que fazer as coisas bem, importa mais que fazê-las. A. Machado, Poesias Completas, CLXI. — Proverbios y cantares, XXIV. Espasa Calpe, Madrid, 1940. (N. do T.)

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura