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Há 3 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Fraternidade.

O Filho de Deus fez-se carne e é perfectus Deus, perfectus homo, perfeito Deus e perfeito homem! Há neste mistério qualquer coisa que deveria emocionar os cristãos. Estava e estou comovido; gostaria de voltar a Loreto… Vou lá em desejo, para reviver os anos da infância de Jesus, repetindo e considerando: Hic Verbum caro factum est!

Iesus Christus, Deus Homo, Jesus Cristo, Deus-Homem! Eis uma das magnalia Dei, uma das maravilhas de Deus em que temos de meditar e que precisamos agradecer a este Senhor que veio trazer a paz na terra aos homens de boa vontade, a todos os homens que querem unir a sua vontade à Vontade boa de Deus. Não só aos ricos, nem só aos pobres! A todos os homens, a todos os irmãos! Pois irmãos somos todos em Jesus: filhos de Deus, irmãos de Cristo. E sua Mãe é nossa Mãe.

Na terra, há apenas uma raça: a raça dos filhos de Deus. Todos devemos falar a mesma língua: a que nosso Pai que está nos Céus nos ensina, a língua dos diálogos de Jesus com seu Pai, a língua que se fala com o coração e com a cabeça, aquela que estamos usando agora na nossa oração. É a língua das almas contemplativas, dos homens que são espirituais por se terem apercebido da sua filiação divina; uma língua que se manifesta em mil moções da vontade, em luzes vivas do entendimento, em afetos do coração, em decisões de retidão de vida, de bem-fazer, de alegria, de paz.

É preciso ver o Menino, nosso Amor, no seu berço, olhar para Ele sabendo que estamos perante um mistério. Precisamos aceitar o mistério pela fé, aprofundar no seu conteúdo. Para isso necessitamos das disposições humildes da alma cristã: não pretender reduzir a grandeza de Deus aos nossos pobres conceitos, às nossas explicações humanas, mas compreender que esse mistério, na sua obscuridade, é uma luz que guia a vida dos homens.

Vemos - diz São João Crisóstomo - que Jesus saiu de nós, da nossa substância humana, e que nasceu de Mãe virgem; mas não entendemos como pôde ter-se realizado esse prodígio. Não nos cansemos tentando descobri-lo: aceitemos antes com humildade o que Deus nos revelou, sem esquadrinhar com curiosidade o que Deus nos escondeu. Assim, com este acatamento, saberemos compreender e amar; e o mistério será para nós um esplêndido ensinamento, mais convincente que qualquer raciocínio humano.

Um olhar sobre o mundo, um olhar sobre o Povo de Deus , neste mês de Maio que começa, faz-nos contemplar o espetáculo da devoção mariana que se manifesta em tantos costumes, antigos ou novos, mas vividos com um mesmo espírito de amor. Dá alegria verificar que a devoção à Virgem está sempre viva, despertando nas almas cristãs o impulso sobrenatural de se comportarem como domestici Dei, como membros da família de Deus.

Estou certo de que cada um de nós, ao ver nestes dias como tantos cristãos exprimem de mil formas diferentes o seu carinho pela Virgem Santa Maria, se sentirá também mais dentro da Igreja, mais irmão de todos os seus irmãos. É como uma reunião de família, em que os filhos já adultos, que a vida separou, voltam a encontrar-se junto de sua mãe por ocasião de uma festa. E se uma vez ou outra discutiram entre si e se trataram mal, naquele dia é diferente; naquele dia sentem-se unidos, reconhecem-se todos no afeto comum.

Maria edifica continuamente a Igreja, reúne-a, mantém-na coesa. É difícil ter uma devoção autêntica à Virgem e não sentir-se mais vinculado aos outros membros do Corpo Místico e mais unido à sua cabeça visível, o Papa. Por isso gosto de repetir: Omnes cum Petro ad Iesum per Mariam!, todos, com Pedro, a Jesus por Maria! E, ao reconhecermo-nos parte da Igreja e convidados a sentir-nos irmãos na fé, descobrimos mais profundamente a fraternidade que nos une a toda a humanidade: porque a Igreja foi enviada por Cristo a todos os homens e a todos os povos.

O que acabo de dizer é algo que já todos experimentamos, pois não nos têm faltado ocasiões de comprovar os efeitos sobrenaturais de uma sincera devoção à Virgem. Cada um poderia contar muitas coisas. E eu também. Vem agora à minha memória uma romaria que fiz em 1933, a uma ermida da Virgem em terra castelhana: a Sonsoles.

Não era uma romaria tal como se entende habitualmente. Não era ruidosa nem multitudinária: íamos apenas três pessoas. Respeito e amo essas outras manifestações públicas de piedade, mas pessoalmente prefiro tentar oferecer a Maria o mesmo carinho e o mesmo entusiasmo por meio de visitas pessoais ou em pequenos grupos, com sabor de intimidade.

Naquela romaria a Sonsoles, conheci a origem dessa invocação à Virgem, um detalhe sem muita importância, mas que é uma manifestação filial da gente daquela terra. A imagem de Nossa Senhora que se venera naquele lugar esteve escondida durante certo tempo, na época das lutas entre cristãos e muçulmanos na Espanha. Ao fim de alguns anos, foi encontrada por uns pastores que - segundo conta a tradição -, ao vê-la, exclamaram: Que olhos tão formosos! São sóis!*

(*): Em castelhano: Son soles (N. T.).

Não é possível mantermos uma relação filial com Maria e pensarmos apenas em nós mesmos, nos nossos problemas. Não podemos permanecer em relação intima com a Virgem e ter problemas pessoais carregados de egoísmo. Maria leva a Jesus, e Jesus é primogenitus in multis fratribus, primogênito entre muitos irmãos. Conhecer Jesus é, portanto, compreender que não podemos ter outro sentido para a nossa vida a não ser o da entrega ao serviço do próximo. Um cristão não pode deter-se apenas nos seus problemas pessoais, mas deve viver de olhos postos na Igreja Universal, pensando na salvação de todas as almas.

Deste modo, até as facetas que se poderiam considerar mais privadas e íntimas - como a preocupação pelo progresso interior - não são na realidade pessoais, já que a santificação se funde numa só coisa com o apostolado. Devemos, pois, ser esforçados na nossa vida interior e no desenvolvimento das virtudes cristãs, mas de olhos postos no bem de toda a Igreja, já que não poderíamos fazer o bem e dar a conhecer Cristo se em nossas vidas não houvesse um esforço sincero por converter em realidade prática os ensinamentos do Evangelho.

Impregnados deste espírito, nossas orações, ainda que comecem por temas e propósitos aparentemente pessoais, acabam sempre por desembocar no serviço aos outros. E se caminhamos pela mão da Santíssima Virgem, Ela fará com que nos sintamos irmãos de todos os homens: porque somos todos filhos desse Deus de quem Ela é Filha, Esposa e Mãe.

Os problemas dos outros devem ser problemas nossos. A fraternidade cristã deve estar tão arraigada no fundo da alma, que nenhuma pessoa nos seja indiferente. Maria, Mãe de Jesus - a quem Ela criou, educou e acompanhou durante a sua vida terrena, e com quem está agora nos céus -, ajudar-nos-á a reconhecer Jesus que passa ao nosso lado, que se nos torna presente nas necessidades dos nossos irmãos, os homens.