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Há 5 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Graça.

A experiência do pecado não nos deve, pois, fazer duvidar da nossa missão. É certo que os nossos pecados podem tornar difícil que se reconheça Cristo, e por isso devemos enfrentar as nossas próprias misérias pessoais, procurar a purificação. Porém, conscientes de que Deus não nos prometeu a vitória absoluta sobre o mal durante esta vida, mas nos pede luta. Sufficit tibi gratia mea, basta-te a minha graça, respondeu Deus a São Paulo, quando lhe pedia que o libertasse do aguilhão que o humilhava.

O poder de Deus manifesta-se na nossa fraqueza e incita-nos a lutar, a combater os nossos defeitos, mesmo que saibamos que nunca obteremos uma vitória completa durante o nosso peregrinar terreno. A vida cristã é um constante começar e recomeçar, um renovar-se cada dia.

Cristo ressuscitará em nós, se nos tornarmos co-participantes da sua Cruz e da sua Morte. Temos que amar a Cruz, a entrega, a mortificação. O otimismo cristão não é um otimismo meloso, nem a simples confiança humana de que tudo correrá bem. É um otimismo que mergulha suas raízes na consciência da liberdade e na fé na graça; é um otimismo que nos leva a ser exigentes conosco mesmos, a esforçar-nos por corresponder à chamada de Deus.

Desse modo, não já apesar da nossa miséria, mas de certo modo através da nossa miséria, da nossa vida de homens feitos de carne e de barro, Cristo se manifesta - no esforço por sermos melhores, por realizarmos um amor que aspira a ser puro, por dominarmos o egoísmo, por nos entregarmos plenamente aos outros, convertendo a nossa existência num serviço constante.

Quando o Senhor instituiu a Sagrada Eucaristia, na Última Ceia, era de noite, o que manifestava - comenta São João Crisóstomo - que os tempos se tinham cumprido. Caía a noite sobre o mundo, porque os velhos ritos, os antigos sinais da misericórdia infinita de Deus para com a humanidade se iam realizar plenamente, abrindo caminho a um verdadeiro amanhecer: a nova Páscoa. A Eucaristia foi instituída durante a noite, preparando de antemão a manhã da Ressurreição.

Também em nossas vidas temos que preparar essa alvorada. Tudo o que é caduco e nocivo, tudo o que não presta - o desânimo, a desconfiança, a tristeza, a covardia -, tudo isso deve ser jogado fora. A Sagrada Eucaristia introduz a novidade divina nos filhos de Deus, e devemos corresponder in novitate sensus , com uma renovação de todos os nossos sentimentos e de toda a nossa conduta. Foi-nos dado um princípio novo de energia, uma raiz poderosa, enxertada no Senhor. Não podemos voltar ao antigo fermento, nós que temos o Pão de hoje e de sempre.

Deus Pai dignou-se conceder-nos, no coração de seu Filho, infinitos dilectionis thesauros ,tesouros inesgotáveis de amor, de misericórdia, de carinho. Se quisermos descobrir a evidência de que Ele nos ama - de que não só escuta as nossas orações, como a elas se antecipa -, basta-nos seguir o mesmo raciocínio de São Paulo: Aquele que nem ao seu próprio Filho perdoou, antes o entregou à morte por todos nós, como não nos dará com Ele todas as coisas?.

A graça renova o homem por dentro e converte-o, de pecador e rebelde, em seno bom e fiel. E a fonte de todas as graças é o amor que Deus nos dedica e que nos revelou, não apenas com palavras, mas também com fatos. Foi o amor divino que levou a segunda Pessoa da Santíssima Trindade - o Verbo, o Filho de Deus Pai - a assumir a nossa carne, isto é, a nossa condição humana, à exceção do pecado. E o Verbo, a Palavra de Deus, é Verbum spirans amorem, é a Palavra da qual procede o Amor.

O Amor revela-se-nos através da Encarnação, desse caminhar redentor de Jesus Cristo pela nossa terra, até ao sacrifício supremo da Cruz. E, na Cruz, manifesta-se por meio de um novo sinal: Um dos soldados abriu o lado de Jesus com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água.Água e sangue de Jesus, que nos falam de uma entrega realizada até ao último extremo, até ao consummatum est , ao “tudo está consumado”, por amor.

Na festa de hoje, ao considerarmos uma vez mais os mistérios centrais da nossa fé, maravilhamo-nos de que as realidades mais profundas - o amor de Deus Pai, que nos entrega seu Filho; o amor do Filho, que o leva a caminhar serenamente para o Gólgota - se traduzam em gestos muito próximos dos homens. Deus não se dirige a nós em atitude de poder e de domínio. Aproxima-se de cada um tomando forma de servo, feito semelhante aos homens. Jesus nunca se mostra distante ou altaneiro. Por vezes, durante os seus anos de pregação, chegamos a vê-lo desgostoso, por lhe doer a maldade humana. Mas, se prestamos um pouco de atenção, logo compreendemos que o desgosto e a ira lhe nascem do amor: são um novo convite para que abandonemos a infidelidade e o pecado. Quero eu porventura a morte do ímpio - diz o Senhor Deus -, e não antes que se converta do seu mau caminho e viva? Estas palavras explicam-nos toda a vida de Cristo e fazem-nos compreender por que se apresentou diante de nós com um Coração de carne, com um Coração como o nosso, que é prova fidedigna de amor e testemunho constante do mistério inenarrável da caridade divina.

Evocávamos antes os acontecimentos de Naim. Poderíamos citar agora muitos outros, porque os Evangelhos estão cheios de cenas semelhantes. Esses relatos sempre comoveram e continuarão a comover os corações das criaturas; porque não encerram apenas o gesto sincero de um homem que se compadece dos seus semelhantes, mas são essencialmente a revelação da imensa caridade do Senhor. O Coração de Jesus é o Coração de Deus encarnado, do Emmanuel - Deus conosco.

A Igreja, unida a Cristo, nasce de um coração ferido. É desse Coração, aberto de par em par, que nos é transmitida a vida. Embora de passagem, como não recordar aqui os Sacramentos, através dos quais Deus opera em nós e nos faz participar da força redentora de Cristo? Como não recordar com particular agradecimento o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, o Santo Sacrifício do Calvário e a sua constante renovação incruenta na nossa Missa? Jesus entrega-se a nós em alimento; Jesus Cristo vem até nós. E por isso tudo mudou, e no nosso ser se manifestam forças - a ajuda do Espírito Santo - que se apossam da nossa alma, que informam as nossas ações, o nosso modo de pensar e de sentir. O Coração de Cristo é paz para o cristão.

O fundamento da entrega que o Senhor nos pede não se encontra apenas nos nossos desejos ou nas nossas forças, tantas vezes acanhados e impotentes; apóia-se primeiramente nas graças que nos alcançou o Amor do Coração de Deus feito Homem. Por isso podemos e devemos perseverar na nossa vida interior de filhos de Nosso Pai que está nos céus, sem ceder ao desânimo ou ao desalento. Gosto de mostrar como o cristão, na sua existência habitual e corrente, nos pormenores mais simples, nas circunstâncias normais da sua jornada de trabalho, põe em prática a fé, a esperança e a caridade, porque é nisso que reside a essência da conduta de uma alma que conta com o auxílio divino e que, no exercício dessas virtudes teologais, encontra a alegria, a força e a serenidade.

Estes são os frutos da paz de Cristo, da paz que nos traz o seu Coração Sacratíssimo. Porque - digamo-lo uma vez mais - o amor de Jesus pelos homens é um dos aspectos insondáveis do mistério divino, do amor do Filho pelo Pai e pelo Espírito Santo. O Espírito Santo, laço de amor entre o Pai e o Filho, encontra no Verbo um Coração humano.

Não é possível falar destas realidades centrais da nossa fé sem percebermos as limitações da inteligência humana e as grandezas da Revelação. Mas, embora não possamos abarcar essas verdades, embora a nossa razão se pasme diante delas, nós as cremos humilde e firmemente: sabemos, apoiados no testemunho de Cristo, que são assim; que o Amor, no seio da Trindade, se derrama sobre todos os homens por meio do Amor do Coração de Jesus.

Como és grande, Senhor nosso Deus! Tu és quem dá à nossa vida sentido sobrenatural e eficácia divina. Tu és a causa de que, por amor de teu Filho, possamos repetir com todas as forças do nosso ser, com a alma e com o corpo: Convém que Ele reine!, enquanto ressoa a canção da nossa fraqueza, pois sabes que somos criaturas - e que criaturas! - feitas de barro, não apenas nos pés , mas também no coração e na cabeça. De forma divina, vibraremos exclusivamente por Ti.

Cristo deve reinar, acima de tudo, na nossa alma. Mas que resposta lhe daríamos se nos perguntasse: como me deixas reinar em ti? Eu lhe responderia que, para que Ele reine em mim, necessito da sua graça abundantemente: só assim é que o último latejo do coração, o último alento, o olhar menos intenso, a palavra mais intranscendente, a sensação mais elementar se traduzirão num hosanna ao meu Cristo Rei.

Se pretendemos que Cristo reine, temos que ser coerentes, começando por entregar-lhe o nosso coração. Se não o fizermos, falar do reinado de Cristo será palavreado sem substância cristã, manifestação externa de uma fé inexistente, manejo fraudulento do nome de Deus para barganhas humanas.

Se a condição para que Jesus reine em minha alma, na tua alma, fosse contar previamente com um lugar perfeito dentro de nós, teríamos motivos para desesperar. Mas não temas, filha de Sião: eis que o teu Rei vem montado sobre um jumentinho. Vemos? Jesus contenta-se com um pobre animal por trono. Não sei o que se passa convosco; quanto a mim, não me humilha reconhecer-me aos olhos do Senhor como um jumento: Sou como um burrinho diante de Ti; mas estarei sempre a teu lado, porque me tomaste pela tua mão direita , Tu me conduzes pelo cabresto.

Pensemos nas características do jumento, agora que vão ficando tão poucos. Não no burro velho e teimoso, rancoroso, que se vinga com um coice traiçoeiro, mas no burrinho jovem, de orelhas esticadas como antenas, austero na comida, duro no trabalho, de trote decidido e alegre. Há centenas de animais mais belos, mais hábeis e mais cruéis. Mas Cristo escolheu esse para se apresentar como rei diante do povo que o aclamava. Porque Jesus não sabe o que fazer com a astúcia calculista, com a crueldade dos corações frios, com a formosura vistosa mas oca. Nosso Senhor ama a alegria de um coração jovem, o passo simples, a voz sem falsete, os olhos limpos, o ouvido atento à sua palavra de carinho. É assim que reina na alma.