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Há 2 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Fé → dom da sabedoria.

Entre os dons do Espírito Santo, diria que há um de que todos nós, cristãos, necessitamos especialmente: o dom da sabedoria, que nos faz conhecer e saborear Deus, e nos coloca assim em condições de poder avaliar com verdade as situações e as coisas desta vida. Se fôssemos conseqüentes com a nossa fé, ao olharmos à nossa volta e contemplarmos o espetáculo da história e do mundo, não poderíamos deixar de sentir crescer em nossos corações os mesmos sentimentos que animaram o de Jesus Cristo: Ao ver aquelas multidões, compadeceu-se delas, porque estavam desamparadas e abatidas, como ovelhas sem pastor.

Não é que o cristão não enxergue tudo o que há de bom na humanidade, que não aprecie as alegrias puras, que não participe dos anseios e ideais terrenos. Pelo contrário, sente tudo isso no mais recôndito da sua alma e de tudo partilha e tudo vive com especial profundidade, já que conhece melhor que qualquer homem os arcanos do espírito humano.

A fé cristã não amesquinha o animo nem cerceia os impulsos nobres da alma, posto que os engrandece ao revelar o seu verdadeiro e mais autêntico sentido: não estamos destinados a uma felicidade qualquer, pois fomos chamados a penetrar na intimidade divina, a conhecer e a amar Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo e, na Trindade e na Unidade de Deus, todos os anjos e todos os homens.

Esta é a grande ousadia da fé cristã: proclamar o valor e a dignidade da natureza humana e afirmar que, mediante a graça, que nos eleva à ordem sobrenatural, fomos criados para alcançar a dignidade de filhos de Deus. Ousadia certamente incrível, se não se baseasse no decreto salvador de Deus Pai e não tivesse sido confirmada pelo sangue de Cristo e reafirmada e tornada possível pela ação constante do Espírito Santo.

Temos que viver de fé, crescer na fé, até que se possa dizer de cada um de nós, de cada cristão, o que escrevia há muitos séculos um dos grandes Doutores da Igreja Oriental: Assim como os corpos transparentes e nítidos, ao receberem os raios da luz, se tornam resplandecentes e irradiam brilho, assim também as almas que são conduzidas e ilustradas pelo Espírito Santo se tornam espirituais e levam aos outros a luz da graça. Do Espírito Santo provém o conhecimento das coisas futuras, a inteligência dos mistérios, a compreensão das verdades ocultas, a distribuição dos dons, a cidadania celeste, a conversação com os anjos. DEle a alegria que nunca termina, a perseverança em Deus, a semelhança com Deus, e o que de mais sublime se pode conceber: o fazer-se Deus.

A consciência da magnitude da dignidade humana - de modo eminente e inefável, pois fomos constituídos filhos de Deus pela graça - forma no cristão uma só coisa com a humildade, pois o que nos salva e dá vida não são as nossas forças, mas o favor divino. É uma verdade que não se pode esquecer nunca, porque de outro modo o endeusamento se perverteria e se transformaria em presunção, em soberba e, mais cedo ou mais tarde, em desmoronamento espiritual ante a experiência da própria fraqueza e miséria.

Atrever-me-ei a dizer que sou santo? - interrogava-se Santo Agostinho. Se dissesse santo como sinônimo de santificador e não necessitado de ninguém que me santificasse, seria soberbo e mentiroso. Mas se por santo entendemos o santificado, conforme o que se lê no Levítico: sede santos, porque Eu, Deus, sou santo, então também o corpo de Cristo, até o último homem situado nos confins da terra, em união com a sua Cabeça e sob a sua Cabeça, diga audazmente: sou santo!

Amemos a Terceira Pessoa da Trindade Beatíssima; escutemos na intimidade do nosso ser as moções divinas - esses alentos, essas censuras -, caminhemos pela terra dentro da luz derramada em nossas almas; e o Deus da esperança nos cumulará de toda a sorte de paz, para que essa esperança cresça em nós cada vez mais e mais, pela virtude do Espírito Santo.

Viver segundo o Espírito Santo é viver de fé, de esperança, de caridade: é deixar que Deus tome posse de nós e mude pela raiz os nossos corações, para os moldar à sua medida. Uma vida cristã amadurecida, profunda e rija, não é coisa que se improvise, porque é fruto do crescimento da graça de Deus em nós. Nos Atos dos Apóstolos, descreve-se a situação da primitiva comunidade cristã numa frase breve, mas cheia de sentido: Perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos, na participação da fração do pão e na oração.

Foi assim que viveram os primeiros cristãos, e é assim que devemos nós viver: a meditação da doutrina da fé, até a fazermos própria; o encontro com Cristo na Eucaristia; o diálogo pessoal - a oração sem anonimato - face a face com Deus, devem constituir como que a substância última da nossa conduta. Se isso faltar, talvez haja reflexão erudita, atividade mais ou menos intensa, devoções e práticas de piedade. Mas não haverá existência cristã autêntica, porque faltará a compenetração com Cristo, a participação real na obra divina da salvação.

É uma doutrina que se aplica a qualquer cristão, porque todos fomos igualmente chamados à santidade. Não há cristãos de segunda categoria, obrigados a pôr em prática apenas uma versão reduzida do Evangelho: todos recebemos o mesmo Batismo e, se bem que exista uma ampla diversidade de carismas e de situações humanas, um só é o Espírito que distribui os dons divinos, uma só a fé, a esperança, a caridade.

Podemos, pois, tomar como dirigida a nós a pergunta do Apóstolo: Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós? , e recebê-la como convite para uma relação mais pessoal e direta com Deus. Infelizmente, para alguns cristãos, o Paráclito é o Grande Desconhecido: um nome que se pronuncia, mas que não é Alguém - uma das três Pessoas do único Deus -, com quem se fala e de quem se vive.

Ora, é preciso que procuremos a sua intimidade com assídua simplicidade e com confiança, como a Igreja nos ensina a fazê-lo através da Liturgia. Assim conheceremos melhor a Deus e ao mesmo tempo compreenderemos mais plenamente o imenso dom que significa chamar-se cristão: compreenderemos toda a grandeza e toda a verdade desse endeusamento, dessa participação na vida divina a que antes me referia.

Porque o Espírito Santo não é um artista que desenhe em nós a divina substância, como se fosse alheio a ela; não é assim que nos conduz à semelhança divina. Sendo Deus e procedendo de Deus, Ele mesmo se imprime nos corações que o recebem, como o selo sobre a cera e, dessa forma, pela comunicação de si mesmo e pela semelhança, restabelece a natureza consoante a beleza do modelo divino e restitui ao homem a imagem de Deus.