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Há 4 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Humildade → poder de Deus e debilidade humana.

Lá pelos primeiros anos da década de quarenta, ia eu muitas vezes a Valência. Não dispunha então de nenhum recurso humano e, com os que - como vós agora - se reuniam com este pobre sacerdote, fazia a oração onde boamente podíamos, algumas tardes numa praia solitária. Tal como os primeiros amigos do Mestre, lembras-te? Escreve São Lucas que, ao sair de Tiro com Paulo, a caminho de Jerusalém, nos acompanharam todos com suas mulheres e filhos até fora da cidade, e, postos de joelhos, fizemos a oração na praia.

Pois bem, um dia, ao entardecer, durante um daqueles pores-de-sol maravilhosos, vimos aproximar-se uma barca da praia. Saltaram em terra uns homens morenos, fortes como rochas, molhados, de torso nu, tão queimados pela brisa que pareciam de bronze. Começaram a tirar da água a rede que traziam arrastada pela barca, repleta de peixes brilhantes como a prata. Puxavam-na com muito brio, os pés afundados na areia, com uma energia prodigiosa. De repente, apareceu-lhes um menino, muito crestado também, que se aproximou da corda e, agarrando-a com as suas mãozinhas, começou a puxá-la com evidente falta de jeito. Aqueles pescadores rudes, nada refinados, devem ter sentido o coração estremecer-lhes e permitiram que o pequeno colaborasse. Não o afastaram, embora propriamente fosse um estorvo.

Pensei em vós e em mim; em vós, a quem ainda não conhecia, e em mim; nesse puxar pela corda todos os dias, em tantas coisas. Se nos apresentarmos diante de Deus Nosso Senhor como esse pequeno, convencidos da nossa debilidade, mas dispostos a secundar os seus desígnios, alcançaremos mais facilmente a meta: arrastaremos a rede até a praia, cheia de abundantes frutos, porque onde falham as nossas forças, chega o poder de Deus.

Quanto maior fores, mais te deves humilhar, e acharás graça diante do Senhor. Se formos humildes, Deus nunca nos abandonará. Ele humilha a altivez do soberbo, mas salva os humildes. Ele livra o inocente, que pela pureza de suas mãos será resgatado. A infinita misericórdia do Senhor não tarda a vir em socorro de quem o chama da sua humildade. E então atua como quem é: como Deus Onipotente. Ainda que haja muitos perigos, ainda que a alma pareça acossada, ainda que se encontre cercada por todos os lados pelos inimigos da sua salvação, não perecerá. E isto não é apenas uma tradição de outros tempos: continua a acontecer agora.

Temos de adquirir a medida divina das coisas, sem perder nunca o “ponto de mira” sobrenatural; sabendo, além disso, que Jesus se vale também das nossas misérias, para que resplandeça a sua glória. Por isso, sempre que sentimos serpentear pela nossa consciência o amor próprio, o cansaço, o desânimo, o peso das paixões, devemos reagir prontamente e ouvir o Mestre, sem nos assustarmos com a triste realidade que somos cada um de nós, porque, enquanto vivermos, sempre nos hão de acompanhar as debilidades pessoais.

Este é o caminho do cristão. É necessário invocar o Senhor sem descanso, com uma fé enérgica e humilde: Senhor, não te fies de mim! Eu, sim, é que me fio de ti. E ao vislumbrarmos em nossa alma o amor, a compaixão, a ternura com que Cristo Jesus nos olha - porque Ele não nos abandona -, compreenderemos em toda a sua profundidade as palavras do Apóstolo: Virtus in infirmitate perficitur, a virtude fortifica-se na fraqueza; com fé no Senhor, apesar das nossas misérias - ou melhor, com as nossas misérias -, seremos fiéis ao nosso Pai-Deus, e o poder divino brilhará, sustentando-nos no meio da nossa fraqueza.

Agora é São Mateus quem nos relata uma situação comovente. Eis que uma mulher, que havia doze anos padecia de um fluxo de sangue, se chegoupor detrás dEle e tocou a fímbria do seu manto. Que humildade a desta mulher! Dizia dentro de si: Ainda que eu toque somente o seu manto, ficarei curada.

Nunca faltam doentes que imploram como Bartimeu, com uma fé grande, e que não têm pejo em confessá-la aos gritos. Mas reparemos como no caminho de Cristo não há duas almas iguais. Grande também é a fé desta mulher; e, no entanto, não grita: aproxima-se sem que ninguém a note. Basta-lhe tocar de leve o manto de Jesus, porque tem a certeza de que será curada. E ainda mal tinha acabado de fazê-lo, quando Nosso Senhor se volta e a olha. Já sabe o que se passa no interior daquele coração; apercebeu-se da sua firme convicção: Tem confiança, filha, a tua fé te salvou.

Tocou com delicadeza a orla do manto, aproximou-se com fé, acreditou e soube que tinha sido curada . Assim também nós, se quisermos ser salvos, devemos tocar com fé o manto de Cristo. Estás bem persuadido de como há de ser a nossa fé? Humilde. Quem és tu, quem sou eu, para merecermos este chamado de Cristo? Quem somos nós para estarmos tão perto dEle? Tal como àquela pobre mulher no meio da multidão, o Senhor ofereceu-nos uma oportunidade. E não só para tocar uma ponta da sua túnica, ou, num breve momento, o extremo do seu manto, a orla. Temo-lo inteiro. Entrega-se totalmente a cada um de nós, com o seu Corpo, com o seu Sangue, com a sua Alma, com a sua Divindade. Comemo-lo todos os dias, falamos intimamente com Ele, como se fala com o pai, como se fala com o Amor. E isto é verdade. Não são imaginações.

Referências da Sagrada Escritura
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