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Há 5 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Vida sobrenatural  → participação da vida divina.

Cristo vive no cristão. A fé diz-nos que o homem em estado de graça se encontra endeusado. Somos homens e mulheres, não anjos. Seres de carne e osso, com coração e paixões, com tristezas e alegrias. Mas a divinização repercute no homem inteiro, como uma antecipação da ressurreição gloriosa. Cristo ressuscitou dentre os mortos e constituiu-se como primícias dos defuntos; porque, assim como por um homem veio a morte, por um homem devia vir a ressurreição dos mortos. Assim como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos serão vivificados.

A vida de Cristo é a nossa vida, conforme Jesus prometera aos seus Apóstolos na Última Ceia: Todo aquele que me ama observa os meus mandamentos, e meu Pai o amará, e viremos a ele, e nele faremos a nossa morada. O cristão deve, pois, viver segundo a vida de Cristo, tornando próprios os sentimentos de Cristo, de tal maneira que possa exclamar com São Paulo: Non vivo ego, vivit vero in me Christus , não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim.

Viver segundo o Espírito Santo é viver de fé, de esperança, de caridade: é deixar que Deus tome posse de nós e mude pela raiz os nossos corações, para os moldar à sua medida. Uma vida cristã amadurecida, profunda e rija, não é coisa que se improvise, porque é fruto do crescimento da graça de Deus em nós. Nos Atos dos Apóstolos, descreve-se a situação da primitiva comunidade cristã numa frase breve, mas cheia de sentido: Perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos, na participação da fração do pão e na oração.

Foi assim que viveram os primeiros cristãos, e é assim que devemos nós viver: a meditação da doutrina da fé, até a fazermos própria; o encontro com Cristo na Eucaristia; o diálogo pessoal - a oração sem anonimato - face a face com Deus, devem constituir como que a substância última da nossa conduta. Se isso faltar, talvez haja reflexão erudita, atividade mais ou menos intensa, devoções e práticas de piedade. Mas não haverá existência cristã autêntica, porque faltará a compenetração com Cristo, a participação real na obra divina da salvação.

É uma doutrina que se aplica a qualquer cristão, porque todos fomos igualmente chamados à santidade. Não há cristãos de segunda categoria, obrigados a pôr em prática apenas uma versão reduzida do Evangelho: todos recebemos o mesmo Batismo e, se bem que exista uma ampla diversidade de carismas e de situações humanas, um só é o Espírito que distribui os dons divinos, uma só a fé, a esperança, a caridade.

Podemos, pois, tomar como dirigida a nós a pergunta do Apóstolo: Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós? , e recebê-la como convite para uma relação mais pessoal e direta com Deus. Infelizmente, para alguns cristãos, o Paráclito é o Grande Desconhecido: um nome que se pronuncia, mas que não é Alguém - uma das três Pessoas do único Deus -, com quem se fala e de quem se vive.

Ora, é preciso que procuremos a sua intimidade com assídua simplicidade e com confiança, como a Igreja nos ensina a fazê-lo através da Liturgia. Assim conheceremos melhor a Deus e ao mesmo tempo compreenderemos mais plenamente o imenso dom que significa chamar-se cristão: compreenderemos toda a grandeza e toda a verdade desse endeusamento, dessa participação na vida divina a que antes me referia.

Porque o Espírito Santo não é um artista que desenhe em nós a divina substância, como se fosse alheio a ela; não é assim que nos conduz à semelhança divina. Sendo Deus e procedendo de Deus, Ele mesmo se imprime nos corações que o recebem, como o selo sobre a cera e, dessa forma, pela comunicação de si mesmo e pela semelhança, restabelece a natureza consoante a beleza do modelo divino e restitui ao homem a imagem de Deus.

Jesus esconde-se no Santíssimo Sacramento do altar para que nos atrevamos a procurar a sua companhia, para ser nosso sustento, e para que assim nos tornemos uma só coisa com Ele. Quando disse: Sem mim, nada podeis fazer , não condenou o cristão à ineficácia nem o obrigou a uma busca árdua e difícil da sua Pessoa. Ficou entre nós com uma disponibilidade total.

Nos momentos em que nos reunimos diante do altar, enquanto se celebra o Santo Sacrifício da Missa, quando contemplamos a Sagrada Hóstia exposta no ostensório ou a adoramos escondida no Sacrário, devemos reavivar a nossa fé, pensar na nova existência que vem até nós, e comover-nos perante o carinho e a ternura de Deus.

E perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos, na comunicação da fração do pão e nas orações. É assim que as Escrituras nos descrevem a conduta dos primeiros cristãos: congregados pela fé dos Apóstolos em perfeita unidade, ao participarem da Eucaristia; unânimes na oração. Fé, Pão, Palavra.

Jesus na Eucaristia é penhor firme da sua presença em nossas almas; do seu poder, que sustenta o mundo; das suas promessas de salvação, que ajudarão a família humana a habitar perpetuamente na casa do céu, quando chegar o fim dos tempos, em torno de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo: Trindade Beatíssima, Deus Único. É toda a nossa fé que se põe em movimento quando cremos em Jesus, na sua presença real sob os acidentes do pão e do vinho.

Não entendo como se pode viver cristãmente sem sentir a necessidade de uma amizade constante com Jesus na Palavra e no Pão, na oração e na Eucaristia. E entendo perfeitamente que, ao longo dos séculos, as sucessivas gerações de fiéis tenham ido concretizando essa piedade eucarística: umas vezes, com práticas multitudinárias, professando publicamente a sua fé; outras, com gestos silenciosos e calados, na sagrada paz do templo ou na intimidade do coração.

Antes de mais, devemos amar a Santa Missa, que tem que ser o centro do nosso dia. Se vivemos bem a Missa, como não havemos de continuar depois o resto da jornada com o pensamento no Senhor, com o desejo irreprimível de não nos afastarmos da sua presença, para trabalhar como Ele trabalhava e amar como Ele amava? Aprendemos então a agradecer ao Senhor mais outra delicadeza: que não tenha querido limitar a sua presença ao instante do Sacrifício do Altar, mas tenha decidido permanecer na Hóstia Santa que se reserva no Tabernáculo, no Sacrário.

Devo dizer que, para mim, o Sacrário foi sempre Betânia, o lugar tranqüilo e aprazível onde está Cristo, onde lhe podemos contar as nossas preocupações, nossos sofrimentos, nossos anseios e nossas alegrias, com a mesma simplicidade e naturalidade com que lhe falavam aqueles seus amigos Marta, Maria e Lázaro. Por isso, ao percorrer as ruas de uma cidade ou de uma aldeia, alegra-me descobrir, mesmo de longe, a silhueta de uma igreja: é um novo Sacrário, uma nova ocasião de deixar que a alma se escape para estar em desejo junto do Senhor Sacramentado.

Mas prestemos atenção: se, por um lado, Deus quis exaltar sua Mãe, por outro, não há dúvida de que, durante a sua vida terrena, Maria não foi poupada nem à experiência da dor, nem ao cansaço do trabalho, nem ao claro-escuro da fé. Aquela mulher do povo que um dia prorrompeu em louvores a Jesus, exclamando: Bem-aventurado o ventre que te trouxe e os peitos que te amamentaram, o Senhor responde: Antes bem-aventurados os que escutam a palavra de Deus e a põem em prática. Era o elogio de sua Mãe, do seu fiat , do faça-se sincero, rendido, posto em prática até às últimas conseqüências, e que não se manifestou em ações aparatosas, mas no sacrifício escondido e silencioso de cada dia.

Ao meditarmos nestas verdades, compreendemos um pouco mais a lógica de Deus, percebemos que o valor sobrenatural da nossa vida não depende de que se tornem realidade as grandes façanhas que às vezes forjamos com a imaginação, mas da aceitação fiel da vontade divina, de uma disposição generosa em face dos pequenos sacrifícios diários.

Para sermos divinos, para nos endeusarmos, temos que começar por ser muito humanos, vivendo de frente para Deus a nossa condição de homens comuns, santificando esta aparente pequenez. Assim viveu Maria. A cheia de graça, aquela que é objeto das complacências de Deus, aquela que está acima dos anjos e dos santos, teve uma existência normal. Maria é uma criatura como nós, com um coração como o nosso, capaz de gozos e alegrias, de sofrimentos e lágrimas. Antes de Gabriel lhe ter comunicado o querer de Deus, Nossa Senhora ignorava que havia sido escolhida desde toda a eternidade para ser a Mãe do Messias. Considera-se cheia de baixeza. Por isso reconhece logo, com profunda humildade, que nEla fez grandes coisas Aquele que é Todo-Poderoso.

A pureza, a humildade e a generosidade de Maria contrastam com a nossa miséria, com o nosso egoísmo. É natural que, depois de nos apercebermos disso, nos sintamos impelidos a imitá-la; somos criaturas de Deus, como Ela, e basta que nos esforcemos por ser fiéis, para que também em nós o Senhor faça grandes coisas. Não será obstáculo a nossa pouca valia, porque Deus escolhe o que vale pouco para que assim brilhe melhor a potência do seu amor.