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Há 5 pontos em "É Cristo que passa", cuja matéria seja Vida sobrenatural  → vida interior .

A existência do cristão desenvolve-se neste clima da misericórdia divina. Esse é o âmbito do esforço com que procura comportar-se como filho do Pai. E quais os principais meios para conseguirmos que a vocação se fortaleça? Hoje te indicarei dois, que são quais eixos vivos da conduta cristã: a vida interior e a formação doutrinal, o conhecimento profundo da nossa fé.

Vida interior, em primeiro lugar. Como são poucos ainda os que a entendem! Ao ouvirem,falar de vida interior, pensam na escuridão do templo, quando não no ambiente rarefeito de certas sacristias. Há mais de um quarto de século venho dizendo que não é isso. O que descrevo é a vida interior de um simples cristão, que habitualmente se encontra em plena rua, ao ar livre; e que na rua, no trabalho, na família e nos momentos de lazer permanece atento a Jesus o dia todo. E o que é isso senão vida de oração contínua? Não é verdade que compreendeste a necessidade de ser alma de oração, com uma relação de amizade com Deus que te leve a endeusar-te? Essa é a fé cristã e assim o compreenderam sempre as almas de oração. Escreve Clemente de Alexandria: Torna-se Deus o homem que quer o mesmo que Deus quer.

A princípio custa; é preciso esforçar-se por dirigir o olhar para o Senhor, por agradecer a sua piedade paternal e concreta para conosco. Pouco a pouco, o amor de Deus - embora não seja coisa de sentimentos - torna-se tão palpável como uma flechada na alma. É Cristo que nos persegue amorosamente: Eis que estou à tua porta e bato.Como vai a tua vida de oração? Não sentes às vezes, durante o dia, desejos de conversar mais com Ele? Não lhe dizes: mais tarde te contarei isto, mais tarde conversarei sobre isto contigo?

Nos momentos expressamente dedicados a esse colóquio com o Senhor, o coração se expande, a vontade se fortalece, a inteligência - ajudada pela graça - embebe em realidades sobrenaturais as realidades humanas. E, como fruto, surgem sempre propósitos claros, práticos, de melhorar a conduta, de tratar delicadamente, com caridade, todos os homens, de nos empenharmos a fundo - com o empenho dos bons esportistas - nesta luta cristã de amor e de paz.

A oração se torna contínua, como o palpitar do coração, como o pulso. Sem essa presença de Deus, não há vida contemplativa; e, sem vida contemplativa, de pouco vale trabalhar por Cristo, porque, se Deus não edifica a casa, em vão trabalham os que a constroem.

Quando o Senhor instituiu a Sagrada Eucaristia, na Última Ceia, era de noite, o que manifestava - comenta São João Crisóstomo - que os tempos se tinham cumprido. Caía a noite sobre o mundo, porque os velhos ritos, os antigos sinais da misericórdia infinita de Deus para com a humanidade se iam realizar plenamente, abrindo caminho a um verdadeiro amanhecer: a nova Páscoa. A Eucaristia foi instituída durante a noite, preparando de antemão a manhã da Ressurreição.

Também em nossas vidas temos que preparar essa alvorada. Tudo o que é caduco e nocivo, tudo o que não presta - o desânimo, a desconfiança, a tristeza, a covardia -, tudo isso deve ser jogado fora. A Sagrada Eucaristia introduz a novidade divina nos filhos de Deus, e devemos corresponder in novitate sensus , com uma renovação de todos os nossos sentimentos e de toda a nossa conduta. Foi-nos dado um princípio novo de energia, uma raiz poderosa, enxertada no Senhor. Não podemos voltar ao antigo fermento, nós que temos o Pão de hoje e de sempre.

Evocávamos antes os acontecimentos de Naim. Poderíamos citar agora muitos outros, porque os Evangelhos estão cheios de cenas semelhantes. Esses relatos sempre comoveram e continuarão a comover os corações das criaturas; porque não encerram apenas o gesto sincero de um homem que se compadece dos seus semelhantes, mas são essencialmente a revelação da imensa caridade do Senhor. O Coração de Jesus é o Coração de Deus encarnado, do Emmanuel - Deus conosco.

A Igreja, unida a Cristo, nasce de um coração ferido. É desse Coração, aberto de par em par, que nos é transmitida a vida. Embora de passagem, como não recordar aqui os Sacramentos, através dos quais Deus opera em nós e nos faz participar da força redentora de Cristo? Como não recordar com particular agradecimento o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, o Santo Sacrifício do Calvário e a sua constante renovação incruenta na nossa Missa? Jesus entrega-se a nós em alimento; Jesus Cristo vem até nós. E por isso tudo mudou, e no nosso ser se manifestam forças - a ajuda do Espírito Santo - que se apossam da nossa alma, que informam as nossas ações, o nosso modo de pensar e de sentir. O Coração de Cristo é paz para o cristão.

O fundamento da entrega que o Senhor nos pede não se encontra apenas nos nossos desejos ou nas nossas forças, tantas vezes acanhados e impotentes; apóia-se primeiramente nas graças que nos alcançou o Amor do Coração de Deus feito Homem. Por isso podemos e devemos perseverar na nossa vida interior de filhos de Nosso Pai que está nos céus, sem ceder ao desânimo ou ao desalento. Gosto de mostrar como o cristão, na sua existência habitual e corrente, nos pormenores mais simples, nas circunstâncias normais da sua jornada de trabalho, põe em prática a fé, a esperança e a caridade, porque é nisso que reside a essência da conduta de uma alma que conta com o auxílio divino e que, no exercício dessas virtudes teologais, encontra a alegria, a força e a serenidade.

Estes são os frutos da paz de Cristo, da paz que nos traz o seu Coração Sacratíssimo. Porque - digamo-lo uma vez mais - o amor de Jesus pelos homens é um dos aspectos insondáveis do mistério divino, do amor do Filho pelo Pai e pelo Espírito Santo. O Espírito Santo, laço de amor entre o Pai e o Filho, encontra no Verbo um Coração humano.

Não é possível falar destas realidades centrais da nossa fé sem percebermos as limitações da inteligência humana e as grandezas da Revelação. Mas, embora não possamos abarcar essas verdades, embora a nossa razão se pasme diante delas, nós as cremos humilde e firmemente: sabemos, apoiados no testemunho de Cristo, que são assim; que o Amor, no seio da Trindade, se derrama sobre todos os homens por meio do Amor do Coração de Jesus.

O Senhor ter-nos-á feito descobrir muitos outros traços da correspondência fiel da Santíssima Virgem, que de per si nos convidam a tomá-los como modelo: sua pureza, sua humildade, sua firmeza de caráter, sua generosidade, sua fidelidade… Mas eu gostaria de falar de um aspecto que abrange todos os outros, porque é o clima do progresso espiritual: a vida de oração.

Para aproveitarmos a graça que nossa Mãe nos traz no dia de hoje, e para secundarmos em qualquer momento as inspirações do Espírito Santo, pastor de nossas almas, devemos estar comprometidos seriamente numa atividade de íntima relação com Deus. Não nos podemos esconder no anonimato: se não for um encontro pessoal com Deus, a vida interior não existe. A superficialidade não é cristã. Admitir a rotina na conduta ascética equivale a assinar o atestado de óbito da alma contemplativa. Deus nos procura um por um; e temos que responder-lhe um por um: Aqui estou, Senhor, porque me chamaste.

Oração - todos o sabemos - é falar com Deus. Mas podemos perguntar-nos: falar, de quê? De que há de ser, senão das coisas de Deus e das que preenchem os nossos dias? Do nascimento de Jesus, do seu caminhar por este mundo, do seu ocultamento e da sua pregação, dos seus milagres, da sua Paixão Redentora, da sua Cruz e da sua Ressurreição. E na presença do Deus Uno e Trino, tendo por Medianeira Santa Maria e por advogado São José, Nosso Pai e Senhor - a quem tanto amo e venero -, falaremos do nosso trabalho de todos os dias, da família, das relações de amizade, dos grandes projetos e das pequenas mesquinharias.

O tema da minha oração é o tema da minha vida. Eu faço assim. E à vista desta situação em que me encontro, surge naturalmente o propósito, determinado e firme, de mudar, de melhorar, de ser mais dócil ao amor de Deus. Um propósito sincero, concreto. E não pode faltar o pedido urgente, mas confiado, de que o Espírito Santo não nos abandone, porque tu és, Senhor, a minha fortaleza.

Somos cristãos comuns, trabalhamos em campos muito diferentes; toda a nossa atividade corre pelos trilhos da normalidade; tudo se desenvolve a um ritmo previsível. Os dias parecem iguais, até monótonos… Pois bem: esse programa, aparentemente tão comum, tem um valor divino: é algo que interessa a Deus, porque Cristo quer encarnar-se nos nossos afazeres, animando por dentro as ações mais humildes.

Este pensamento é uma realidade sobrenatural, límpida, inequívoca; não é uma consideração destinada a consolar, a confortar aqueles que, como nós, não conseguirão gravar seus nomes no livro de ouro da história. Cristo está interessado nesse trabalho que temos que realizar - uma e mil vezes - no escritório, na fábrica, na oficina, na escola, no campo, no exercício da profissão manual ou intelectual; como está interessado no sacrifício escondido que representa não derramarmos sobre os outros o fel do nosso mau humor.

Repassemos na oração estas considerações, sirvamo-nos delas precisamente para dizer a Jesus que o adoramos, e estaremos sendo contemplativos no meio do mundo, no meio do ruído da rua: em todos os lugares. Esta é a primeira lição, na escola da vida de relação com Jesus Cristo. Dessa escola, Maria é a melhor mestra, porque a Virgem manteve sempre essa atitude de fé, de visão sobrenatural, perante tudo o que acontecia à sua volta: Conservava todas essas coisas, ponderando-as em seu coração.

Supliquemos hoje a Santa Maria que nos torne contemplativos, que nos ensine a compreender as chamadas contínuas que o Senhor nos dirige, batendo à porta do nosso coração. Peçamos-lhe: Mãe nossa, tu, que trouxeste à terra Jesus, por quem nos é revelado o amor do nosso Pai-Deus, ajuda-nos a reconhecê-lo no meio das ocupações de cada dia; remove a nossa inteligência e a nossa vontade, para que saibamos escutar a voz de Deus, o impulso da graça.

Como és grande, Senhor nosso Deus! Tu és quem dá à nossa vida sentido sobrenatural e eficácia divina. Tu és a causa de que, por amor de teu Filho, possamos repetir com todas as forças do nosso ser, com a alma e com o corpo: Convém que Ele reine!, enquanto ressoa a canção da nossa fraqueza, pois sabes que somos criaturas - e que criaturas! - feitas de barro, não apenas nos pés , mas também no coração e na cabeça. De forma divina, vibraremos exclusivamente por Ti.

Cristo deve reinar, acima de tudo, na nossa alma. Mas que resposta lhe daríamos se nos perguntasse: como me deixas reinar em ti? Eu lhe responderia que, para que Ele reine em mim, necessito da sua graça abundantemente: só assim é que o último latejo do coração, o último alento, o olhar menos intenso, a palavra mais intranscendente, a sensação mais elementar se traduzirão num hosanna ao meu Cristo Rei.

Se pretendemos que Cristo reine, temos que ser coerentes, começando por entregar-lhe o nosso coração. Se não o fizermos, falar do reinado de Cristo será palavreado sem substância cristã, manifestação externa de uma fé inexistente, manejo fraudulento do nome de Deus para barganhas humanas.

Se a condição para que Jesus reine em minha alma, na tua alma, fosse contar previamente com um lugar perfeito dentro de nós, teríamos motivos para desesperar. Mas não temas, filha de Sião: eis que o teu Rei vem montado sobre um jumentinho. Vemos? Jesus contenta-se com um pobre animal por trono. Não sei o que se passa convosco; quanto a mim, não me humilha reconhecer-me aos olhos do Senhor como um jumento: Sou como um burrinho diante de Ti; mas estarei sempre a teu lado, porque me tomaste pela tua mão direita , Tu me conduzes pelo cabresto.

Pensemos nas características do jumento, agora que vão ficando tão poucos. Não no burro velho e teimoso, rancoroso, que se vinga com um coice traiçoeiro, mas no burrinho jovem, de orelhas esticadas como antenas, austero na comida, duro no trabalho, de trote decidido e alegre. Há centenas de animais mais belos, mais hábeis e mais cruéis. Mas Cristo escolheu esse para se apresentar como rei diante do povo que o aclamava. Porque Jesus não sabe o que fazer com a astúcia calculista, com a crueldade dos corações frios, com a formosura vistosa mas oca. Nosso Senhor ama a alegria de um coração jovem, o passo simples, a voz sem falsete, os olhos limpos, o ouvido atento à sua palavra de carinho. É assim que reina na alma.

Referências da Sagrada Escritura
Referências da Sagrada Escritura
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