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Há 4 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Filiação divina  → a liberdade dos filhos de Deus.

Jamais poderemos entender até o fim essa liberdade de Jesus Cristo, imensa - infinita - como o seu amor. Mas o tesouro preciosíssimo do seu generoso holocausto deve levar-nos a pensar: Por que me deixaste, Senhor, este privilégio, que me torna capaz de seguir os teus passos, mas também de te ofender?

Chegamos assim a calibrar o reto uso da liberdade, se a encaminhamos para o bem; e a sua errônea orientação quando, com essa faculdade, o homem se esquece e se afasta do Amor dos amores. A liberdade pessoal - que defendo e defenderei sempre com todas as minhas forças - leva-me a perguntar com convicta segurança e também com a consciência da minha própria fraqueza: Que esperas de mim, Senhor, para que eu voluntariamente o cumpra?

Responde-nos o próprio Cristo: Veritas liberabit vos, a verdade vos fará livres. Que verdade é essa, que inicia e consuma em toda a nossa vida o caminho da liberdade? Eu vo-la resumirei, com a alegria e com a certeza que procedem da relação entre Deus e as suas criaturas: saber que saímos das mãos de Deus, que somos objeto da predileção da Trindade Beatíssima, que somos filhos de tão grande Pai.

Eu peço ao meu Senhor que nos decidamos a tomar consciência disso, a saboreá-lo dia a dia. Assim nos conduziremos como pessoas livres. Não o esqueçamos: aquele que não se sabe filho de Deus desconhece a sua verdade mais íntima e, na sua atuação, não possui o domínio e o senhorio próprios dos que amam o Senhor acima de todas as coisas.

Convencei-vos de que, para ganhar o céu, temos que empenhar-nos em consegui-lo livremente, com uma decisão plena, constante e voluntária. Mas a liberdade não se basta a si mesma: precisa de um norte, de um roteiro. Não é possível que a alma caminhe sem ninguém que a governe. E para isso foi redimida, de modo que tenha por Rei Cristo, cujo jugo é suave e cuja carga é leve (Mt XI, 30), e não o diabo, cujo reino é pesado.

Temos de repelir o equívoco dos que se conformam com uma triste gritaria: Liberdade! liberdade! Muitas vezes, nesse mesmo clamor se esconde uma trágica servidão, porque a opção que prefere o erro não liberta; só Cristo é que liberta, porque só Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida.

Perguntemo-nos de novo, na presença de Deus: Senhor, para que nos proporcionaste este poder? Por que depositaste em nós essa faculdade de escolher-te ou rejeitar-te? Tu desejas que empreguemos acertadamente esta nossa capacidade. Senhor, que queres que eu faça? E a resposta é diáfana, precisa: Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, e com toda a tua alma, e com toda a tua mente.

Estamos vendo? A liberdade adquire o seu sentido autêntico quando é exercida em serviço da verdade que resgata, quando a gastamos em proclamar o Amor infinito de Deus, que nos desata de todas as escravidões. Cada dia aumentam as minhas ânsias de anunciar em altos brados esta insondável riqueza do cristão: a liberdade da glória dos filhos de Deus! Nisso se resume a vontade boa que nos ensina a perseguir o bem, depois de distingui-lo do mal.

Gostaria de que meditássemos num ponto fundamental que nos coloca diante da responsabilidade da nossa consciência. Ninguém pode escolher por nós. Este é o grau supremo da dignidade nos homens: que se encaminhem para o bem por si próprios, não por outros. Muitos de nós herdamos dos pais a fé católica e, por graça de Deus, desde que recebemos o Batismo, recém-nascidos ainda, começou-nos na alma a vida sobrenatural. Mas temos de renovar ao longo da nossa existência - e mesmo ao longo de cada jornada - a determinação de amar a Deus sobre todas as coisas. É cristão, digo verdadeiro cristão, aquele que se submete ao império do único Verbo de Deus, sem estabelecer condições a essa submissão, disposto a resistir à tentação diabólica com a mesma atitude de Cristo: Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.

Escravidão por escravidão - se de qualquer modo temos de servir, já que, quer o admitamos ou não, essa é a condição humana -, nada melhor do que sabermo-nos, por Amor, escravos de Deus. Porque nesse momento perdemos a situação de escravos para nos convertermos em amigos, em filhos. E aqui se manifesta a diferença: enfrentamos as honestas ocupações do mundo com a mesma paixão, com o mesmo empenho que os outros, mas com paz no fundo da alma; com alegria e serenidade, mesmo nas contrariedades. Porque não depositamos a nossa confiança no que passa, mas no que permanece para sempre. Não somos filhos da escrava, mas da livre.

De onde nos vem essa liberdade? De Cristo, Senhor Nosso. Essa é a liberdade com que Ele nos redimiu. Por isso nos ensina: Se o Filho vos obtiver a liberdade, sereis verdadeiramente livres. Nós, cristãos, não temos de pedir emprestado a ninguém o verdadeiro sentido deste dom, porque a única liberdade que salva o homem é cristã.

Gosto de falar da aventura da liberdade, porque é assim que se desenvolve a vossa vida e a minha: livremente - como filhos, insisto, não como escravos -, seguimos a senda que o Senhor marcou a cada um de nós. Saboreamos esta liberdade de movimentos como uma dádiva de Deus.

Livremente, sem coação alguma, porque me vem na gana, eu me decido por Deus. E comprometo-me a servir, a converter a minha existência numa doação aos outros, por amor ao meu Senhor Jesus. Esta liberdade anima-me a clamar que nada na terra me separará da caridade de Cristo.

Repito-vos: não aceito outra escravidão que não a do Amor de Deus. E isto porque, como já vos disse em outras ocasiões, a religião é a maior rebelião do homem que não tolera viver como um animal, que não se conforma - não sossega - se não conhece o Criador, se não procura a sua intimidade. Eu vos quero rebeldes, livres de todos os laços, porque vos quero - Cristo nos quer - filhos de Deus. Escravidão ou filiação divina: eis o dilema da nossa vida. Ou filhos de Deus ou escravos da soberba, da sensualidade, desse egoísmo angustiante em que tantas almas parecem debater-se.

O Amor de Deus marca o caminho da verdade, da justiça e do bem. Quando nos decidimos a responder ao Senhor: a minha liberdade para ti, ficamos livres de todas as cadeias que nos haviam atado a coisas sem importância, a preocupações ridículas, a ambições mesquinhas. E a liberdade - tesouro incalculável, pérola maravilhosa que seria triste lançar aos animais - emprega-se inteira em aprender a fazer o bem.

Esta é a liberdade gloriosa dos filhos de Deus. Os cristãos que na sua conduta se revelassem encolhidos de medo - coibidos ou invejosos - perante a libertinagem dos que não acolheram a Palavra de Deus, demonstrariam ter um conceito miserável da nossa fé. Se cumprirmos de verdade a Lei de Cristo - se nos esforçarmos por cumpri-la, porque nem sempre o conseguiremos -, descobrir-nos-emos dotados dessa maravilhosa galhardia de espírito que não precisa de ir buscar em outro lugar o sentido da mais plena dignidade humana.

A nossa fé não é um peso nem uma limitação. Que pobre idéia da verdade cristã manifestaria quem raciocinasse assim! Ao decidirmo-nos por Deus, não perdemos nada, ganhamos tudo: quem à custa da sua alma conservar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a sua vida por amor de mim, voltará a encontrá-la.

Tiramos a carta que ganha, o primeiro prêmio. Quando alguma coisa nos impedir de compreendê-lo com clareza, examinemos o interior da nossa alma. Talvez exista pouca fé, pouca relação pessoal com Deus, pouca vida de oração. Temos de pedir ao Senhor - através da sua Mãe e Mãe nossa - que nos aumente o seu Amor, que nos permita experimentar a doçura da sua presença. Porque só quando se ama é que se chega à liberdade mais plena: a de não querer abandonar nunca, por toda a eternidade, o objeto dos nossos amores.