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Há 3 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Fim do homem → eleição do ser humano.

Com o agradecimento de quem percebe a felicidade a que foi chamado, aprendemos que todas as criaturas foram tiradas do nada por Deus e para Deus: tanto as racionais, os homens, ainda que com tanta freqüência percam a razão; como as irracionais, as que calcorreiam sobre a superfície da terra, ou habitam as entranhas do mundo, ou cruzam o azul do céu, algumas delas até fitarem o sol. Mas, no meio desta maravilhosa variedade, apenas nós, os homens - não falo aqui dos anjos - nos unimos ao Criador mediante o exercício da nossa liberdade: podemos prestar ou negar ao Senhor a glória que lhe é devida como Autor de tudo o que existe.

Essa possibilidade compõe o claro-escuro da liberdade humana. O Senhor convida-nos, incita-nos - porque nos ama entranhadamente! - a escolher o bem: Considera que pus hoje diante de ti a vida e o bem, e de outra parte a morte e o mal, para que ames o Senhor teu Deus, e andes pelos seus caminhos, e guardes os seus mandamentos, decretos e preceitos, e assim vivas . Escolhe a vida para que vivas.

Queres fazer o favor de pensar - eu também faço o meu exame - se manténs imutável e firme a tua opção pela Vida? Se, ao ouvires essa voz de Deus, amabilíssima, que te estimula à santidade, respondes livremente que sim? Volvamos o olhar para o nosso Jesus, quando falava às multidões pelas cidades e campos da Palestina. Não pretende impor-se. Se queres ser perfeito…, diz Ele ao jovem rico. Aquele rapaz rejeitou a insinuação, e conta-nos o Evangelho que abiit tristis, que se retirou entristecido. Por isso cheguei certa vez a chamar-lhe ave triste: perdeu a alegria porque se negou a entregar a sua liberdade a Deus.

Jamais poderemos entender até o fim essa liberdade de Jesus Cristo, imensa - infinita - como o seu amor. Mas o tesouro preciosíssimo do seu generoso holocausto deve levar-nos a pensar: Por que me deixaste, Senhor, este privilégio, que me torna capaz de seguir os teus passos, mas também de te ofender?

Chegamos assim a calibrar o reto uso da liberdade, se a encaminhamos para o bem; e a sua errônea orientação quando, com essa faculdade, o homem se esquece e se afasta do Amor dos amores. A liberdade pessoal - que defendo e defenderei sempre com todas as minhas forças - leva-me a perguntar com convicta segurança e também com a consciência da minha própria fraqueza: Que esperas de mim, Senhor, para que eu voluntariamente o cumpra?

Responde-nos o próprio Cristo: Veritas liberabit vos, a verdade vos fará livres. Que verdade é essa, que inicia e consuma em toda a nossa vida o caminho da liberdade? Eu vo-la resumirei, com a alegria e com a certeza que procedem da relação entre Deus e as suas criaturas: saber que saímos das mãos de Deus, que somos objeto da predileção da Trindade Beatíssima, que somos filhos de tão grande Pai.

Eu peço ao meu Senhor que nos decidamos a tomar consciência disso, a saboreá-lo dia a dia. Assim nos conduziremos como pessoas livres. Não o esqueçamos: aquele que não se sabe filho de Deus desconhece a sua verdade mais íntima e, na sua atuação, não possui o domínio e o senhorio próprios dos que amam o Senhor acima de todas as coisas.

Convencei-vos de que, para ganhar o céu, temos que empenhar-nos em consegui-lo livremente, com uma decisão plena, constante e voluntária. Mas a liberdade não se basta a si mesma: precisa de um norte, de um roteiro. Não é possível que a alma caminhe sem ninguém que a governe. E para isso foi redimida, de modo que tenha por Rei Cristo, cujo jugo é suave e cuja carga é leve (Mt XI, 30), e não o diabo, cujo reino é pesado.

Temos de repelir o equívoco dos que se conformam com uma triste gritaria: Liberdade! liberdade! Muitas vezes, nesse mesmo clamor se esconde uma trágica servidão, porque a opção que prefere o erro não liberta; só Cristo é que liberta, porque só Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida.

São almas que levantam barricadas com a liberdade. A minha liberdade, a minha liberdade! Têm-na, e não a seguem; olham para ela, colocam-na como um ídolo de barro dentro do seu entendimento mesquinho. Isso é liberdade? Que aproveitam dessa riqueza sem um compromisso sério, que oriente toda a existência? Uma conduta assim opõe-se à categoria e à nobreza próprias da pessoa humana. Falta a rota, o caminho claro que informe os passos sobre a terra. Essas almas - vós as tereis encontrado, como eu - deixar-se-ão arrastar depois pela vaidade pueril, pela arrogância egoísta, pela sensualidade.

É uma liberdade que se demonstra estéril ou que produz frutos ridículos, mesmo humanamente. Quem não escolhe - com plena liberdade! - uma norma reta de conduta, cedo ou tarde se verá manipulado pelos outros, viverá na indolência - como um parasita -, sujeito ao que os outros determinem. Prestar-se-á a ser agitado por qualquer vento, e outros resolverão sempre por ele. São nuvens sem água, que os ventos levam de uma parte para outra, árvores outonais, sem fruto, duas vezes mortas, sem raízes, ainda que se escondam por trás de um contínuo palavrório, de paliativos com que tentam esfumar a ausência de caráter, de valentia e de honradez.

Mas ninguém me coage!, repetem obstinadamente. Ninguém? Todos coagem essa liberdade ilusória que não se arrisca a aceitar responsavelmente as conseqüências das atuações livres e pessoais. Onde não há amor de Deus, produz-se um vazio de exercício individual e responsável da liberdade: apesar das aparências, tudo aí é coação. O indeciso, o irresoluto, é como uma matéria plástica à mercê das circunstâncias; qualquer um o molda a seu bel-prazer e, antes de mais nada, as paixões e as piores tendências da natureza ferida pelo pecado.