Lista de pontos

Há 3 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Igreja → missão dos leigos na Igreja.

A missão dos leigos exerce-se, segundo o Concílio, na Igreja e no mundo. Isto, com freqüência, não é entendido retamente, ficando-se num ou noutro destes termos. Como explicaria a função dos leigos na Igreja e a função que devem realizar no mundo?

Não penso de modo algum que devam considerar-se como duas funções diferentes, tendo em conta que a específica participação do leigo na missão da Igreja consiste, precisamente, em santificar ab intra — de maneira imediata e direta as realidades seculares, a ordem temporal, o mundo.

O que acontece é que, além desta função, que lhe é própria e específica, o leigo tem também — como os clérigos e os religiosos — uma série de direitos, deveres e faculdades fundamentais, que correspondem à sua condição jurídica de fiel, e que têm seu lógico âmbito de exercício no interior da sociedade eclesiástica: participação ativa na liturgia da Igreja, faculdade de cooperar diretamente no apostolado próprio da Hierarquia ou de a aconselhar na sua ação pastoral se for chamado a isso, etc.

Não são estas funções — a específica que corresponde ao leigo e a genérica ou comum que lhe corresponde como fiel — duas funções opostas, mas sim sobrepostas; nem há entre elas contradição, mas sim complementaridade. Reparar só na função específica do leigo, esquecendo a sua simultânea condição de fiel, seria tão absurdo como imaginar um ramo verde e florido que não pertencesse a nenhuma árvore. Esquecer-se do que é específico, próprio e peculiar do leigo, ou não compreender suficientemente as características destas atividades apostólicas seculares e o seu valor eclesial, seria como reduzir a frondosa árvore da Igreja à monstruosa condição de puro tronco.

De acordo com o que acaba de nos referir, de que maneira considera que a realidade eclesial do Opus Dei se insere na ação pastoral de toda a Igreja? E no Ecumenismo?

Parece-me conveniente um esclarecimento prévio: o Opus Dei não é nem pode ser considerado uma realidade ligada ao processo evolutivo do estado de perfeição na Igreja, não é uma forma moderna ou aggiornata desse estado. Com efeito, nem a concepção teológica do status perfectionis — que São Tomás, Suárez e outros autores plasmaram decisivamente na doutrina — nem as diversas concretizações jurídicas que se deram ou se podem dar a esse conceito teológico, têm nada que ver com a espiritualidade e o fim apostólico que Deus quis para a nossa Associação. Basta considerar — porque seria longa uma exposição doutrinal completa — que ao Opus Dei não interessam nem votos, nem promessas, nem qualquer forma de consagração para seus sócios, além da consagração que já todos receberam no Batismo. A nossa Associação não pretende de nenhum modo que seus sócios mudem de estado, que deixem de ser simples fiéis iguais ao outros, para adquirirem o peculiar status perfectionis. Pelo contrário, o que deseja e procura, é que cada um faça apostolado e se santifique dentro do seu próprio estado, no mesmo lugar e condição que tem na Igreja e na sociedade civil. Não tiramos ninguém do seu lugar, nem afastamos ninguém do seu trabalho ou dos seus nobres compromissos de ordem temporal.

A realidade social, a espiritualidade e a ação do Opus Dei inserem-se, pois, em um manancial da vida da Igreja muito diferente: concretamente, no processo teológico e vital que está conduzindo o laicato à plena assunção de suas responsabilidades eclesiais, ao seu modo próprio de participar na missão de Cristo e da sua Igreja. Este tem sido, e continua sendo, nos quase quarenta anos de existência da obra, o anseio constante — sereno, mas firme — com que Deus quis encaminhar na minha alma e nas dos meus filhos o desejo de servi-lo.

Que contribuição oferece o Opus Dei a esse processo? Talvez não seja este o momento histórico mais adequado para proceder a uma apreciação global deste tipo. Apesar de se tratar de problemas dos quais o Concílio Vaticano II muito se ocupou — com quanta alegria da minha alma! — e apesar de não poucos conceitos e situações referentes à vida e missão do laicato terem recebido já do Magistério suficiente confirmação e luz, há um considerável núcleo de questões que constituem ainda, para a generalidade da doutrina, verdadeiros problemas-limite da teologia. A nós, dentro do espírito que Deus deu ao Opus Dei e que procuramos viver com fidelidade — apesar das nossas imperfeições pessoais —, parece-nos já divinamente resolvida a maior parte desses problemas discutidos, mas não pretendemos apresentar essas soluções como as únicas possíveis.

Há simultaneamente aspectos do mesmo processo de desenvolvimento eclesiológico, que representam magníficas aquisições doutrinais — para as quais quis Deus indubitavelmente que contribuísse, em parte talvez não pequena, o testemunho do espírito e da vida do Opus Dei, juntamente com outras contribuições valiosas de iniciativas e associações apostólicas não menos beneméritas. Mas são aquisições doutrinais, e talvez passe ainda bastante tempo até chegarem a encarnar-se realmente na vida total do Povo de Deus. Aliás, em suas perguntas anteriores já recordou alguns desses aspectos: o desenvolvimento de uma autêntica espiritualidade laical; a compreensão da peculiar função eclesial — não eclesiástica ou oficial — própria do leigo; a distinção dos direitos e dos deveres que o leigo tem enquanto leigo; as relações Hierarquia-laicato; a igualdade de dignidade e a complementaridade das funções do homem e da mulher na Igreja; a necessidade de conseguir uma ordenada opinião pública do Povo de Deus, etc.

Tudo isso constitui evidentemente uma realidade muito fluida e nem sempre isenta de paradoxos. Uma mesma coisa que há quarenta anos escandalizava quase todos, ou todos, hoje em dia, a quase ninguém causa estranheza, embora na verdade sejam ainda muito poucos os que a compreendem a fundo e a vivem ordenadamente.

Vou-me explicar melhor com um exemplo. Em 1932, comentando aos meus filhos do Opus Dei alguns dos aspectos e conseqüências da dignidade e responsabilidade peculiares que o Batismo confere às pessoas, escrevia-lhes num documento: "Impõe-se repelir o preconceito de que os fiéis correntes não podem fazer mais do que ajudar o clero, em apostolados eclesiásticos. O apostolado dos leigos não tem de ser sempre uma simples participação no apostolado hierárquico: compete-lhes o dever de fazerem apostolado. E isso não por receberem uma missão canônica, mas por serem parte da Igreja; essa missão… realizavam-na através da profissão, do ofício, da família, dos colegas, dos amigos".

Hoje, depois dos ensinamentos solenes do Vaticano II, ninguém na Igreja porá em dúvida a ortodoxia desta doutrina. Mas, quantos abandonaram realmente sua concepção única do apostolado dos leigos como um trabalho pastoral organizado de cima para baixo? Quantos, superando a anterior concepção monolítica do apostolado laical, compreendem que ele possa e inclusive deva também existir sem necessidade de rígidas estruturas centralizadas, missões canônicas e mandatos hierárquicos? Quantos, que classificam o laicato de longa manus Ecclesiae, não estarão confundindo ao mesmo tempo o conceito de Igreja-Povo de Deus com o conceito mais limitado de Hierarquia? Ou ainda, quantos leigos entendem devidamente que só em delicada comunhão com a Hierarquia têm o direito de reivindicar o seu âmbito legítimo de autonomia apostólica?

Poder-se-iam formular considerações semelhantes em relação a outros problemas, porque é realmente muito, muitíssimo o que está ainda por conseguir, tanto na necessária exposição doutrinal como na educação das consciências e na própria reforma da legislação eclesiástica. Peço muito ao Senhor — a oração sempre foi a minha grande arma — que o Espírito Santo assista ao seu Povo, e especialmente à Hierarquia, na realização destas tarefas. E peço-Lhe também que continue a servir-se do Opus Dei, para que possamos contribuir e ajudar, em tudo que estiver ao nosso alcance, deste difícil mas maravilhoso processo de desenvolvimento e crescimento da Igreja.