Lista de pontos

Há 5 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Igreja → obediência e liberdade.

O Concílio Vaticano II utilizou abundantemente em seus Documentos a expressão "Povo de Deus" para designar a Igreja, e pôs assim de manifesto a responsabilidade comum de todos os cristãos na missão única deste Povo de Deus. Quais as características que, em seu entender, deve ter a "necessária opinião pública na Igreja" — da qual já Pio XII falou —, para refletir essa responsabilidade comum? Como é afetado o fenômeno da "opinião pública na Igreja" pelas peculiares relações de autoridade e obediência que se verificam no seio da comunidade eclesial?

Não concebo que possa haver obediência verdadeiramente cristã, se essa obediência não for voluntária e responsável. Os filhos de Deus não são pedras ou cadáveres: são seres inteligentes e livres e elevados todos à mesma ordem sobrenatural, tal como a pessoa que manda, mas não poderá nunca fazer uso reto da inteligência e da liberdade — para obedecer, da mesma maneira que para opinar — quem carecer de suficiente formação cristã. Por isso, o problema de fundo da "necessária opinião pública na Igreja" é equivalente ao problema da necessária formação doutrinal dos fiéis. É certo que o Espírito Santo distribui a abundância dos seus dons entre os membros do Povo de Deus — que são todos co-responsáveis da missão da igreja — Mas isto não exime ninguém, antes pelo contrário, do dever de adquirir essa adequada formação doutrinal.

Entendo por doutrina o suficiente conhecimento que cada fiel deve ter da missão total da Igreja e da peculiar participação, e conseqüente responsabilidade específica, que corresponde a ele nessa missão única. Este é — como o tem recordado repetidas vezes o Santo Padre — o colossal trabalho de pedagogia que a Igreja deve enfrentar nesta época pós-conciliar. Penso que a solução correta do problema a que aludiu deve ser procurado — como outras esperanças latentes no seio da Igreja — em relação direta com esse trabalho. Não serão, com certeza, as instituições mais ou menos proféticas de alguns carismáticos sem doutrina que poderão assegurar a necessária opinião pública no povo de Deus.

Quanto às formas de expressão dessa opinião pública, não considero que seja um problema de órgãos ou de instituições. Tão adequado pode ser um Conselho pastoral diocesano, como as colunas de um jornal — ainda que não seja oficialmente católico — ou a simples carta pessoal dum fiel a seu Bispo, etc. As possibilidades e as modalidades legítimas em que essa opinião dos fiéis pode se manifestar são muito variadas, e não parece que se possam ou devam espartilhar, criando um novo ente ou instituição. E menos ainda se se tratasse duma instituição que corresse o perigo — tão fácil — de chegar a ser monopolizada ou instrumentalizada por um grupo ou grupinho de católicos oficiais, qualquer que fosse a tendência ou orientação em que essa minoria se inspirasse. Isto poria em perigo o próprio prestígio da Hierarquia e soaria a falso para os restantes membros do Povo de Deus.

O Decreto "Apostolicam actuositatem" no 5, afirmou claramente que a animação cristã temporal é missão de toda a Igreja. Compete, pois, a todos: à Hierarquia, ao clero, aos religiosos e aos leigos. Poderia dizer-nos como vê o papel e as modalidades de cada um desses setores eclesiais nessa missão única e comum?

Na realidade, a resposta encontra-se nos próprios textos conciliares. À Hierarquia corresponde indicar — como parte do seu Magistério — os princípios doutrinais que hão de presidir e iluminar a realização dessa tarefa apostólica (cfr. Const. Lumen gentium, no 28; Const. Gaudium et spes no 43; Decr. Apostolicamactuositatem, no 24).

Aos leigos, que trabalham imersos em todas as circunstâncias e estruturas próprias da vida secular, corresponde de forma específica a tarefa, imediata e direta, de ordenar essas realidades temporais à luz dos princípios doutrinais enunciados pelo Magistério; mas atuando, ao mesmo tempo, com a necessária autonomia pessoal perante as decisões concretas que tenham de tomar em sua vida social, familiar, política, cultural, etc. (cfr. Const. Lumen gentium, no 31; Gaudium et spes, no 43; Decr. Apostolicam actuositatem, no 7).

Quanto aos religiosos, que se apartam dessas realidades e atividades seculares abraçando um estado de vida peculiar, sua missão é dar testemunho escatológico público que ajude a recordar aos restantes fiéis do Povo de Deus que não têm nesta t erra morada permanente (cfr. Const. Lumen gentium, no 44; Decr. Perfectae Caritatis, no 5). E não pode esquecer-se ainda o serviço que significam também, para a animação cristã da ordem temporal, as numerosas obras de beneficência, de caridade e assistência social que tantos religiosos e religiosas realizam com abnegado espírito de sacrifício.

A Associação insiste na liberdade dos sócios para exprimir as convicções que nobremente defendem. Mas, voltando ao tema de outro ponto de vista, ate que ponto pensa que o Opus Dei esteja moralmente obrigado, como Associação, a manifestar pública ou privadamente opiniões sobre assuntos cruciais seculares ou espirituais? Há situações em que o Opus Dei lance mão da sua influência e da de seus sócios em defesa de princípios que considere sagrados, como por exemplo, recentemente, em apoio da legislação sobre liberdade religiosa na Espanha?

No Opus Dei procuramos sempre e em tudo sentir com a Igreja de Cristo: não temos outra doutrina fora daquela que a Igreja ensina a todos os fiéis. A única coisa que nos é peculiar é um espírito próprio, característico do Opus Dei; isto é, um modo específico de viver o Evangelho, santificando-nos no mundo e realizando o apostolado através da profissão.

Daí se conclui imediatamente que todos os sócios do Opus Dei têm a mesma liberdade que os outros católicos para formarem livremente suas opiniões e atuarem em conseqüência. Por isso o Opus Dei como tal não deve nem pode expressar uma opinião própria, nem a pode ter. Se se trata de uma questão que tenha sido objeto de uma doutrina definida pela Igreja, a opinião de cada um dos sócios da Obra será essa. Se se trata de uma questão sobre a qual o Magistério — o Papa e os Bispos — não se pronunciou, cada um dos sócios do Opus Dei terá e defenderá livremente a opinião que lhe parecer melhor e atuará em consonância.

Por outras palavras, o princípio que regula a atitude dos diretores do Opus Dei neste campo é o do respeito à liberdade de opção nos assuntos temporais. Coisa que é bem diferente do abstencionismo, pois cada sócio é colocado em face das suas próprias responsabilidades e convidado a assumi-las segundo a sua consciência, com liberdade de ação. Por isso é uma incongruência mencionar o Opus Dei quando se fala de partidos, de grupos ou de tendências políticas, ou, em geral, de tarefas e empresas humanas; Mais ainda, é injusto e próximo da calúnia, pois pode levar ao erro de se deduzir falsamente que os sócios da Obra têm em comum determinada ideologia, mentalidade ou interesse temporal.

Certamente os sócios são católicos, e católicos que procuram ser conseqüentes com sua fé. Pode-se qualificá-los como tais, se se quiser. Mas tendo bem em conta que o fato de ser católico não significa formar grupo, nem sequer no terreno cultural ideológico, quanto mais no político. Desde o princípio da Obra, não apenas desde o Concílio, procurou-se viver um catolicismo aberto, que defende a legítima liberdade das consciências, que leva a tratar com caridade fraterna todos os homens, sejam ou não católicos, e a colaborar com todos, participando das diversas aspirações nobres que movem a humanidade. Consideremos um exemplo. Ante o problema racial dos Estados Unidos, cada sócio da Obra terá presente os ensinamentos claros da doutrina cristã sobre a igualdade de todos os homens e a injustiça de qualquer discriminação. Conhecerá igualmente — e sentir-se-á obrigado a perfilhar — as indicações específicas dos bispos norte-americanos sobre o problema. Defenderá, portanto, os legítimos direitos de todos os cidadãos e opor-se-á a qualquer situação ou projeto discriminatório. Terá em conta, além disso, que um cidadão não deve contentar-se com respeitar os direitos dos outros homens, mas precisa ver — em todos — irmãos a quem deve um amor sincero e um serviço desinteressado.

Na formação que o Opus Dei proporciona a seus sócios, insistir-se-á mais nestas idéias nesse país que em outros onde o problema não se apresenta ou se apresenta com menos urgência. O que o Opus Dei não fará nunca é ditar ou mesmo sugerir uma solução concreta para o problema. A decisão de apoiar um projeto de lei ou outro, de inscrever-se numa associação ou outra — ou de não inscrever-se em nenhuma —, de participar ou não em determinada manifestação é coisa que cada sócio decidirá. E, de fato, comprova-se em toda parte que os sócios do Opus Dei não atuam em bloco, mas com um lógico pluralismo.

Estes mesmos critérios explicam o fato de que tantos espanhóis que pertencem ao Opus Dei sejam favoráveis ao projeto de lei sobre a liberdade religiosa em seu país, tal como foi redigido recentemente. Trata-se obviamente de uma opção pessoal, como também é pessoal a opinião dos que possam criticar esse projeto. Mas todos aprenderam do espírito do Opus Dei a amar a liberdade e a compreender os homens de todas as crenças. O Opus Dei é a primeira Associação católica que, desde 1950, com autorização da Santa Sé, admite como Cooperadores os não-católicos e os não cristãos, sem discriminação alguma, com amor por todos.

Como se vai desenvolvendo o Opus Dei em outros países, fora a Espanha? Qual é a sua influência nos Estados Unidos, Inglaterra, Itália, etc.?

Pertencem ao Opus Dei pessoas de sessenta e oito nacionalidades, que trabalham em todos os países da América e da Europa ocidental e em alguns da África, Ásia e Oceania.

A influência do Opus Dei em todos esses países é uma influência espiritual. Consiste essencialmente em ajudar as pessoas que se aproximam do nosso trabalho a viverem mais plenamente o espírito evangélico na sua vida de todos os dias. Essas pessoas trabalham nos lugares mais variados: há entre eles desde camponeses que cultivam a terra em povoações isoladas da Cordilheira dos Andes, até banqueiros da Wall Street. A todos o Opus Dei ensina que seu trabalho corrente — seja humanamente humilde ou brilhante — é de grande valor e pode ser meio eficacíssimo para amar e servir a Deus e aos demais homens. Ensina-lhes a querer a todos os homens, a respeitar sua liberdade, a trabalhar — com plena autonomia, do modo que lhes parecer melhor — para apagar as incompreensões e as intolerâncias entre os homens e para que a sociedade seja mais justa. Esta é a única influência do Opus Dei em qualquer dos lugares onde trabalha.

Referindo-me aos trabalhos sociais e educativo que a Obra como tal costuma promover, devo dizer-lhe que correspondem em cada lugar às condições específicas e às necessidades da sociedade. Não disponho de dados detalhados sobre todos esses trabalhos, porque, como comentava antes, a nossa organização está muito descentralizada. Poderia mencionar, como um exemplo entre muitos outros possíveis, Midtown Sports and Cultural Center no Near West Side de Chicago, que oferece programas educativos e esportivos aos moradores do bairro. Parte importante deste trabalho consiste em promover a convivência e a amizade entre os diferentes grupos étnicos que o compõem. Outro trabalho interessante nos Estados Unidos é o que se realiza no The Heights, em Washington, onde se ministram cursos de orientação profissional, programas especiais para estudantes particularmente dotados, etc.

Na Inglaterra poderia destacar-se o trabalho das residências universitárias, que oferecem aos estudantes não apenas alojamento, mas diversos programas para completarem a sua formação cultural, humana e espiritual. Netherhall House, em Londres, é talvez especialmente interessante pelo seu caráter internacional. Vêm convivendo nessa residência universitários de mais de 50 países. Muitos deles não são cristãos, porque os centros do Opus Dei estão abertos a todos, sem discriminação de raça ou religião.

Para não me alongar mais, mencionarei apenas um trabalho, o Centro Internazionale della Gioventù Lavoratrice, em Roma. Este centro para formação profissional de operários jovens, foi confiado ao Opus Dei pelo Papa João XXIII e inaugurado por Paulo VI há menos de um ano.

É importante que cada um procure ser fiel ao seu próprio chamado divino, de modo a não deixar de trazer à Igreja o que implica o carisma recebido de Deus. O que é próprio dos sócios do Opus Dei — cristãos correntes — é santificar o mundo de dentro para fora, participando nas tarefas humanas as mais diversas. Como o fato de pertencer à Obra não altera em nada sua posição no mundo, eles colaboram de maneira adequada em cada caso,nas celebrações religiosas coletivas, na vida paroquial, etc. Também neste sentido são cidadãos correntes, que querem ser bons católicos.

Contudo, geralmente os sócios da Obra não costumam trabalhar em atividades confessionais. Só em casos excepcionais, quando a Hierarquia o pede expressamente, é que um membro da Obra colabora em tarefas eclesiásticas. Não há nessa atitude qualquer desejo de singularizar-se, e menos ainda menosprezo pelas atividades confessionais; há somente a decisão de ocupar-se do que é próprio da vocação para o Opus Dei. Já há muitos religiosos e clérigos, e também muitos leigos cheios de zelo que desempenham essas atividades, dedicando-lhes seus melhores esforços.

O que caracteriza os sócios da Obra, a tarefa a que se sabem chamados por Deus, é outra. Dentro da chamado universal à santidade, os sócios do Opus Dei recebem ademais um chamado especial para procurarem livre e responsavelmente chegar à santidade e fazer apostolado em meio do mundo, comprometendo-se a viver um espírito específico e a receber ao longo de toda a sua vida uma formação peculiar. Se descurassem seu trabalho no mundo, para se ocuparem das tarefas eclesiásticas, tornariam ineficazes os dons divinos, e, atraídos por uma eficácia pastoral imediata, causariam real prejuízo à Igreja: porque não haveria tantos cristãos santificando-se em todas as profissões e ofícios da sociedade civil, no campo imenso do trabalho secular.

Aliás, a exigente necessidade da contínua formação profissional e da formação religiosa, somada ao tempo dedicado pessoalmente à piedade, à oração e ao cumprimento sacrificado dos deveres de estado, preenche a vida inteira: não há horas de folga.