Lista de pontos

Há 7 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Igreja → unidade.

Com certa freqüência, ao falar do laicato, costuma-se esquecer a realidade da presença da mulher e com isto esfuma-se o seu papel na Igreja. Igualmente, ao tratar-se da "promoção social da mulher", é costume entendê-la simplesmente como presença da mulher na vida pública. Poderia dizer-nos como entende a missão da mulher na Igreja e no mundo?

Não vejo razão pela qual, ao falar do laicato — de sua vida apostólica, de direitos e deveres, etc. —, se deva fazer qualquer espécie de distinção ou discriminação em relação à mulher. Todos os batizados — homens e mulheres — participam igualmente da comum dignidade, liberdade e responsabilidade dos filhos de Deus. Na Igreja existe esta unidade radical e necessária que já São Paulo ensinava aos primeiros cristãos: Quicumque enim in Christo baptizati estis, Christum induistis. Non est Iudaeus, neque Graecus: non est servus, neque libertus, non est masculus, neque femina (Gal. 3, 27-28); não há judeu, nem grego; não há servo, nem livre; não há homem nem mulher.

Excetuando a capacidade jurídica de receber ordens sagradas — distinção que por muitas razões, também de direito divino positivo, considero que se deve reter —, penso que é necessário reconhecer plenamente à mulher na Igreja — na sua legislação, na sua vida interna e na sua ação apostólica — os mesmos direitos e deveres que aos homens: direito ao apostolado, a fundar e dirigir associações, a manifestar responsavelmente sua opinião em tudo o que se refira ao bem comum da Igreja, etc. Já sei que tudo isto — que teoricamente não é difícil admitir, se se consideram as claras razões teológicas que o apóiam — encontrará, de fato, resistência em algumas mentalidades. Ainda me recordo o assombro e até a crítica — agora, pelo contrário, tendem a imitar isto, como tantas outras coisas — com que determinadas pessoas comentaram o fato de o Opus Dei procurar que adquirissem graus acadêmicos em ciências sagradas também às mulheres que pertencem à Secção feminina de nossa Associação.

Penso, no entanto, que estas resistências e reticências irão caindo pouco e pouco. No fundo, é só um problema de compreensão eclesiológica: dar-se conta de que a Igreja não é formada só pelos clérigos e religiosos, mas também os leigos — homens e mulheres — são Povo de Deus e têm, por direito divino, uma missão e responsabilidade próprias.

Mas gostaria de acrescentar que, a meu ver, a igualdade essencial entre o homem e a mulher exige precisamente que se saibam captar ao mesmo tempo os papéis complementares de um e outro na edificação da Igreja e no progresso da sociedade civil: porque não foi em vão que os criou Deus homem e mulher. Esta diversidade há de compreender-se não num sentido patriarcal, mas em toda a profundidade que tem, tão rica de matizes e conseqüências: libertando o homem da tentação de masculinizar a Igreja e a sociedade; e a mulher, de entender sua missão, no Povo de Deus e no mundo, como uma simples reivindicação de atividades até agora apenas realizadas pelo homem, mas que ela pode desempenhar igualmente bem. Parece-me, pois, que tanto o homem como a mulher se hão de sentir justamente protagonistas da história da salvação, mas um e outro de forma complementar.

Diversas fontes pretendem que existiria uma profunda amizade entre a maior parte das ordens religiosas, e particularmente a Companhia de Jesus, e o Opus Dei. Há algum fundamento para esses rumores ou fazem parte desses mitos que a gente alimenta quando não conhece bem um assunto?

Embora não sejamos religiosos, nem nos pareçamos com os religiosos — nem haja autoridade no mundo que possa obrigar-nos a sê-lo —, no Opus Dei veneramos e amamos o estado religioso. Todos os dias rezo para que todos os veneráveis religiosos continuem oferecendo à Igreja frutos de virtudes, de obras apostólicas e de santidade. Os rumores de que se falou… são rumores. O Opus Dei contou sempre com a admiração e a simpatia dos religiosos de tantas ordens e congregações, de modo particular dos religiosos e religiosas de clausura, que rezam por nós, nos escrevem com freqüência e dão a conhecer a nossas Obra de mil maneiras, porque se apercebem de nossa vida de contemplação no meio das ocupações da rua. O Secretário Geral do Opus Dei, Dr. Álvaro del Portillo, conhecia pessoalmente e estimava o anterior Geral da Companhia de Jesus. Quanto ao atual, o Pe. Arrupe, sou eu que mantenho relações com ele e o estimo, como ele a mim. As incompreensões, se se produzissem, demonstrariam pouco espírito cristão, porque nossa fé é de unidade, não de rivalidades nem de divisões.

Em sua opinião, por que não se dão bem com o Opus Dei numerosas ordens religiosas, tais como a Companhia de Jesus?

Conheço uma multidão de religiosos que sabem que nós não somos religiosos, mas que correspondem ao afeto que lhes temos e oferecem orações e sacrifícios a Deus pelos apostolados do Opus Dei. Quanto à Companhia de Jesus, conheço e mantenho relações com o seu Geral, o Padre Arupe. Posso assegurar-lhe que as nossas relações são de estima e afeto mútuo.

Talvez o senhor tenha encontrado um ou outro religioso que não compreendesse a nossa Obra; se assim é, isso deve-se certamente a um equívoco ou a uma falta de conhecimento da realidade do nosso trabalho, que é especificamente laical e secular e em nada interfere com o terreno próprio dos religiosos. Por todos os religiosos, nós só temos veneração e carinho, e pedimos ao Senhor que torne cada dia mais eficaz seu serviço à Igreja e à humanidade inteira. Não haverá nunca luta entre o Opus Dei e um religioso, porque para lutar são necessários dois e nós não queremos lutar com ninguém.

Como o senhor vê o futuro do Opus Dei?

O Opus Dei é ainda muito jovem. Trinta e nove anos para uma instituição é apenas o começo. Nossa tarefa é colaborar com todos os outros cristãos na grande missão de serem testemunhas do Evangelho de Cristo; é recordar que essa boa nova pode vivificar qualquer situação humana. A tarefa que nos espera é ingente. É um mar sem fundo, porque, enquanto houver homens na terra, por muito que se modifiquem as formas técnicas da produção, terão um trabalho que podem oferecer a Deus, que podem santificar. Com a graça de Deus, a Obra quer ensinar-lhes a fazer desse trabalho um serviço a todos os homens de qualquer condição, raça ou religião. E servindo assim aos homens, servirão a Deus.

É importante que cada um procure ser fiel ao seu próprio chamado divino, de modo a não deixar de trazer à Igreja o que implica o carisma recebido de Deus. O que é próprio dos sócios do Opus Dei — cristãos correntes — é santificar o mundo de dentro para fora, participando nas tarefas humanas as mais diversas. Como o fato de pertencer à Obra não altera em nada sua posição no mundo, eles colaboram de maneira adequada em cada caso,nas celebrações religiosas coletivas, na vida paroquial, etc. Também neste sentido são cidadãos correntes, que querem ser bons católicos.

Contudo, geralmente os sócios da Obra não costumam trabalhar em atividades confessionais. Só em casos excepcionais, quando a Hierarquia o pede expressamente, é que um membro da Obra colabora em tarefas eclesiásticas. Não há nessa atitude qualquer desejo de singularizar-se, e menos ainda menosprezo pelas atividades confessionais; há somente a decisão de ocupar-se do que é próprio da vocação para o Opus Dei. Já há muitos religiosos e clérigos, e também muitos leigos cheios de zelo que desempenham essas atividades, dedicando-lhes seus melhores esforços.

O que caracteriza os sócios da Obra, a tarefa a que se sabem chamados por Deus, é outra. Dentro da chamado universal à santidade, os sócios do Opus Dei recebem ademais um chamado especial para procurarem livre e responsavelmente chegar à santidade e fazer apostolado em meio do mundo, comprometendo-se a viver um espírito específico e a receber ao longo de toda a sua vida uma formação peculiar. Se descurassem seu trabalho no mundo, para se ocuparem das tarefas eclesiásticas, tornariam ineficazes os dons divinos, e, atraídos por uma eficácia pastoral imediata, causariam real prejuízo à Igreja: porque não haveria tantos cristãos santificando-se em todas as profissões e ofícios da sociedade civil, no campo imenso do trabalho secular.

Aliás, a exigente necessidade da contínua formação profissional e da formação religiosa, somada ao tempo dedicado pessoalmente à piedade, à oração e ao cumprimento sacrificado dos deveres de estado, preenche a vida inteira: não há horas de folga.

Esclarecido esse ponto, gostava de lhe perguntar o seguinte: quais são as características da formação espiritual dos sócios, que fazem com que fique excluído todo tipo de interesse temporal no fato de se pertencer ao Opus Dei?

Todo interesse que não seja puramente espiritual fica radicalmente excluído, porque a Obra pede muito — desprendimento, sacrifício, abnegação, trabalho sem descanso a serviço das almas — e não dá nada. Quero dizer que não dá nada no plano dos interesses temporais; porque, no plano da vida espiritual, dá muito: dá meios para combater e vencer na vida ascética, encaminhada por caminhos de oração, ensina a tratar a Jesus como um irmão, a ver Deus em todas as circunstâncias da vida, a sentir-se filho de Deus e, por conseguinte, comprometido a difundir a sua doutrina.

Uma pessoa que não progrida pelo caminho da vida interior, até chegar a compreender que vale a pena dar-se de todo, entregar a própria vida a serviço do Senhor, não pode perseverar no Opus Dei, porque a santidade não é um rótulo, mas uma profunda exigência.

Por outro lado, o Opus Dei não tem nenhuma atividade de fins políticos, econômicos ou ideológicos: nenhuma ação temporal. Suas únicas atividades são a formação sobrenatural de seus sócios e as obras de apostolado, quer dizer, a contínua atenção espiritual prestada a cada um dos sócios, e as obras corporativas de assistência, de beneficência, de educação, etc.

Os sócios do Opus Dei unem-se somente para seguir um caminho de santidade, bem definido, e colaborar em determinadas obras de apostolado. Seus compromissos recíprocos excluem qualquer tipo de interesse terreno pelo simples fato de que, nesse campo, todos os sócios do Opus Dei são livres e, portanto, cada um segue o seu próprio caminho, com finalidades e interesses diferentes e por vezes contrapostos.

Como conseqüência do fim exclusivamente divino da Obra, seu espírito é um espírito de liberdade, de amor à liberdade pessoal de todos os homens. E, como esse amor à liberdade é sincero e não um mero enunciado teórico, nós amamos a necessária conseqüência da liberdade: quer dizer, o pluralismo. No Opus Dei, o pluralismo é querido e amado; não simplesmente tolerado e de modo algum dificultado. Quando me é dado observar entre os sócios da Obra tantas idéias diversas, tantas atitudes diferentes — no que diz respeito às questões políticas, econômicas, sociais ou artísticas, etc. —, esse espetáculo me dá alegria porque é sinal de que tudo está funcionando diante de Deus como deve ser.

Unidade espiritual e variedade nas coisas temporais são compatíveis quando não reinam o fanatismo e a intolerância; e, sobretudo, quando se vive de fé e se sabe que nós, os homens, estamos unidos não por meros laços de simpatia ou de interesse, mas pela ação de um mesmo Espírito que, fazendo-nos irmãos de Cristo, nos conduz a Deus Pai.

Um verdadeiro cristão nunca pensa que a unidade na fé, a fidelidade ao Magistério e à Tradição da Igreja, bem como a preocupação de fazer chegar aos outros a mensagem salvadora de Cristo, estejam em dissonância com a variedade de atitudes nas coisas que Deus deixou, como se costuma dizer, à livre discussão dos homens. Mais ainda: tem plena consciência de que essa variedade faz parte do plano divino, é querida por Deus, que reparte seus dons e suas luzes conforme deseja. O cristão deve amar os outros e portanto respeitar as opiniões contrárias às suas, e conviver em plena fraternidade com aqueles que pensam de outro modo.

Precisamente porque os sócios da Obra se formam de acordo com este espírito, é impossível que alguém pense em se aproveitar do fato de pertencer ao Opus Dei para obter vantagens pessoais, ou para tentar impor aos outros opções políticas ou culturais: porque os outros não o suportariam, e o levariam a mudar de atitude ou a abandonar a Obra. Este é um ponto em que ninguém no Opus Dei poderá permitir jamais o menor desvio, porque deve defender, não apenas a sua liberdade pessoal, mas também a natureza sobrenatural do labor a que se entregou. Penso, por isso, que a liberdade e a responsabilidade pessoais são a melhor garantia da finalidade sobrenatural da Obra de Deus.

Tenho que terminar, meus filhos. Disse no começo que minhas palavras pretendiam anunciar alguma coisa da grandeza e da misericórdia de Deus. Penso tê-lo feito, falando de viver santamente a vida ordinária: porque uma vida santa em meio da realidade secular — sem ruído, com simplicidade, com veracidade — , não será, porventura a manifestação mais comovente das magnalia Dei, dessas portentosas misericórdias que Deus sempre exerceu, e não deixa de exercer, para salvar o mundo?

Agora peço que se unam com o salmista à minha oração e ao meu louvor: magnificate Dominum mecum, et extollamus nomen eius simul; engrandecei o Senhor comigo, e enalteçamos seu nome todos juntos. Quer dizer, meus filhos: vivamos de fé.

Tomemos o escudo da fé, o elmo da salvação e a espada do espírito, que é a Palavra de Deus. Assim nos anima o Apóstolo São Paulo na Epístola aos de Éfeso, que faz um instante se proclamava liturgicamente.

Fé, virtude que nós, os cristãos, tanto necessitamos, de modo especial neste ano da Fé promulgado por nosso amadíssimo Santo Padre o Papa Paulo VI: porque, sem a fé, falta o próprio fundamento para a santificação da vida ordinária.

Fé viva neste momento, porque nos abeiramos do mysterium fidei, da Sagrada Eucaristia; porque vamos tomar parte nesta Páscoa do Senhor, que resume e realiza as misericórdias de Deus para com os homens.

Fé, meus filhos, para confessar que, dentro de uns instantes, sobre esta ara, vai-se renovar a obra de nossa Redenção. Fé para saborear o Credo e experimentar, em torno deste altar e desta Assembléia, a presença de Cristo, que nos faz cor unum et anima una, um só coração e uma só alma; e nos converte em família, em igreja, una, santa, católica, apostólica e romana, que para nós é o mesmo que universal.

Fé, finalmente, filhas e filhos queridíssimos, para demonstrar ao mundo que tudo isso não são cerimônias e palavras, mas uma realidade divina, apresentando aos homens o testemunho de uma vida ordinária santificada, em Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo e de Santa Maria.