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Há 2 pontos em "Entrevistas com Mons. Josemaria Escrivá ", cuja matéria seja Igreja → sacerdotes e leigos.

Existe certa inquietação de alguns setores do clero acerca da presença do sacerdote na sociedade, que procura — apoiando-se na doutrina do Concílio (Const. "Lumen gentium", no 31; Decreto "Presbyterorum Ordinis", no 8) — exprime-se através duma atividade profissional do sacerdote na vida civil — "padres operários", etc. Gostaríamos de saber o que pensa sobre este assunto.

Antes de mais, devo dizer que respeito a opinião contrária à que vou expor, embora a considere errada por muitas razões, e que acompanho com meu afeto e com minha oração os que a levam a cabo pessoalmente, com grande zelo apostólico.

Penso que o sacerdócio retamente exercido — sem timidez nem complexos, que são ordinariamente demonstração de imaturidade humana, e sem prepotências clericais, que denotariam pouco sentido sobrenatural —, o ministério próprio do sacerdote assegura por si mesmo, suficientemente, uma legítima, simples e autêntica presença do homem-sacerdote entre os restantes membros da comunidade a que se dirige. Ordinariamente, não é necessário mais para viver em comunhão de vida com o mundo do trabalho, compreender seus problemas e participar da sua sorte. Mas o que, com certeza, poucas vezes será eficaz — porque sua própria falta de autenticidade o condena antecipadamente ao fracasso — é recorrer ao ingênuo passaporte dumas atividades laicais de amador, que podem ofender, por muitas razões, o bom senso dos próprios leigos.

Além disso, o ministério sacerdotal é — sobretudo nestes tempos de tanta escassez de clero — um trabalho terrivelmente absorvente, que não deixa tempo para o duplo emprego. As almas têm tanta necessidade de nós, ainda que muitas o não saibam, que nunca se consegue fazer tudo. Faltam braços, tempo, forças. Costumo por isso dizer aos meus filhos sacerdotes que, se algum deles chegasse a notar que num dia lhe tinha sobrado tempo, poderia estar completamente certo de que nesse dia não tinha vivido bem o seu sacerdócio.

E repare que se trata, no caso destes sacerdotes do Opus Dei, de homens que, antes de receberem as ordens sagradas, tinham normalmente exercido, durante anos, uma atividade profissional na vida civil: são engenheiros-sacerdotes, médicos-sacerdotes, operários-sacerdotes, etc… No entanto, não sei de nenhum que tenha considerado necessário — para tornar-se ouvido e estimado na sociedade civil, entre seus antigos colegas e companheiros — aproximar-se das almas com uma régua de cálculo, um estetoscópio ou um martelo pneumático. É verdade que, uma vez por outra, exercem — de modo compatível com as obrigações do estado clerical — a sua profissão ou ofício, mas nunca por pensarem que isso seja necessário para assegurar uma "presença na sociedade civil"; fazem-no por outros motivos diversos: de caridade social, por exemplo, ou de absoluta necessidade econômica, para porem em andamento uma iniciativa apostólica. Também São Paulo recorreu algumas vezes à sua profissão de fabricante de tendas; mas nunca porque Ananias lhe tivesse dito em Damasco que aprendesse a fabricar tendas para poder assim anunciar devidamente o Evangelho de Cristo aos gentios.

Em resumo, e sem que queira com isso julgar da legitimidade e da retidão de intenção de nenhuma iniciativa apostólica, entendo que o intelectual-sacerdote e o operário-sacerdote, por exemplo, são figuras mais autênticas e mais concordes com a doutrina do Vaticano II do que a figura do sacerdote-operário. Salvo no que significa de trabalho pastoral especializado — que será sempre necessário — a figura típica do padre-operário pertence já ao passado; um passado no qual estava oculta para muitos a potencialidade maravilhosa do apostolado dos leigos.

Por que há sacerdotes numa instituição acentuadamente laical como o Opus Dei? Qualquer sócio do Opus Dei pode chegar a ser sacerdote, ou só aqueles que são escolhidos pelos diretores?

A vocação para o Opus Dei, pode recebê-la qualquer pessoa que queira santificar-se em seu próprio estado: quer solteiro, casado ou viúvo; quer leigo ou clérigo.

Por isso, ao Opus Dei se associam também sacerdotes diocesanos, que continuam sendo sacerdotes diocesanos como antes, uma vez que a Obra os ajuda a tender para a perfeição cristã própria do seu estado, mediante a santificação do seu trabalho ordinário, que é precisamente o ministério sacerdotal a serviço do bispo, da diocese e da Igreja inteira. Também nesse caso a vinculação ao Opus Dei não modifica em nada sua condição: continuam plenamente dedicados às missões que lhes confia o respectivo Ordinário e aos outros apostolados e atividades que devem realizar, sem que a Obra interfira nunca nessas tarefas; e santificam-se praticando o mais perfeitamente possível as virtudes próprias de um sacerdote.

Além desses sacerdotes, que entram a fazer parte do Opus Dei depois de haverem recebido as sagradas ordens, há na Obra outros sacerdotes seculares que recebem o sacramento da Ordem depois de pertencerem ao Opus Dei, ao qual se vincularam, portanto, quando ainda eram leigos, cristãos correntes. Trata-se de um número muito diminuto em comparação com a totalidade dos sócios — não chegam a dois por cento —; e dedicam-se a servir os fins apostólicos do Opus Dei através do ministério sacerdotal, renunciando mais ou menos, conforme os casos, da profissão civil que tinham. São, com efeito, profissionais ou trabalhadores, chamados ao sacerdócio depois de terem adquirido uma habilitação profissional e de terem trabalhado durante anos na sua ocupação própria, como médicos, engenheiros, mecânicos, camponeses, professores, jornalistas, etc. Além disso, fazem, com a máxima profundidade e sem pressas, os estudos das disciplinas eclesiásticas correspondentes, até obterem o doutoramento. E isso sem perderem a mentalidade característica do ambiente da sua profissão civil; de modo que, quando recebem as sagradas ordens, são médicos-sacerdotes, advogados-sacerdotes, operários-sacerdotes, etc.

A sua presença é necessária para o apostolado do Opus Dei. Este apostolado desenvolvem-no fundamentalmente os leigos, como já disse. Cada sócio procura ser apóstolo em seu próprio ambiente de trabalho, aproximando as almas de Cristo, através do exemplo e da palavra: do diálogo. Mas no apostolado, ao conduzir as almas pelos caminhos da vida cristã, acaba-se chegando ao muro sacramental. A função santificadora do leigo tem necessidade da função santificadora do sacerdote, que administra o sacramento da penitência, celebra a Eucaristia, e proclama a palavra de Deus em nome da Igreja. E, como o apostolado do Opus Dei pressupõe uma espiritualidade específica, é necessário que o sacerdote dê também um testemunho vivo desse espírito peculiar.

Além desse serviço aos outros sócios da Obra, esses sacerdotes podem prestar, e de fato prestam, um serviço a muitas outras almas. O zelo sacerdotal, que informa as suas vidas, deve levá-los a não permitirem que alguém passe ao seu lado sem receber um pouco da luz de Cristo. Mais ainda, o espírito do Opus Dei, que não sabe de grupinhos nem de distinções, impele-os a se sentirem íntima e eficazmente unidos a seus irmãos, os outros sacerdotes seculares: sentem-se e são de fato sacerdotes diocesanos em todas as dioceses onde trabalham, procurando servi-las com empenho e eficácia.

Quero fazer notar, porque é uma realidade muito importante, que esses sócios leigos do Opus Dei, que recebem a ordenação sacerdotal, não mudam de vocação. Quando abraçam o sacerdócio, respondendo livremente o convite dos diretores da Obra, não o fazem com a idéia de assim se unirem mais a Deus ou tenderem mais eficazmente para a santidade: sabem perfeitamente que a vocação laical é plena e completa em si mesma, que sua dedicação a Deus no Opus Dei era desde o primeiro momento um caminho claro para atingir a perfeição cristã. A ordenação sacerdotal não é, por isso, de modo algum, uma espécie de coroamento da vocação para o Opus Dei: é um chamado que se dirige a alguns, para servirem os outros de um modo novo. Por outro lado, na Obra não há duas classes de sócios, clérigos e leigos; todos são e se sentem iguais, e todos vivem o mesmo espírito: a santificação em seu próprio estado.