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Há 5 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Vida sobrenatural  → filiação divina .

Por motivos que não vêm ao caso - mas que Jesus, que nos preside do Sacrário, conhece muito bem -, a minha vida me levou a saber-me especialmente filho de Deus, e saboreei a alegria de meter-me no coração de meu Pai, para me purificar, para o servir, para compreender e desculpar a todos, à base do seu amor e da minha humilhação.

Por isso desejo agora insistir na necessidade de que vós e eu nos refaçamos e despertemos desse sono de fraqueza que tão facilmente nos amodorra, e voltemos a perceber de uma maneira mais profunda e ao mesmo tempo mais imediata a nossa condição de filhos de Deus.

O exemplo de Jesus, toda a peregrinação de Cristo por aquelas terras do Oriente, nos ajuda a imbuir-nos dessa verdade. Se nós admitimos o testemunho dos homens - lemos na Epístola -, o testemunho de Deus é maior. E em que consiste o testemunho de Deus? É São João quem nos fala de novo: Considerai que amor nos mostrou o Pai em querer que fôssemos chamados filhos de Deus e que o sejamos na realidade . Caríssimos, nós agora somos filhos de Deus.

Ao longo dos anos, procurei apoiar-me sem desmaios nessa gozosa realidade. A minha oração, em face de quaisquer circunstâncias, tem sido a mesma, em tons diferentes. Tenho-lhe dito: “Senhor, Tu me colocaste aqui, Tu me confiaste isto ou aquilo, e eu confio em ti. Sei que és meu Pai, e sempre vi que as crianças confiam absolutamente em seus pais”. A minha experiência sacerdotal confirmou-me que este abandono nas mãos de Deus impele as almas a adquirir uma piedade forte, profunda e serena, que incita a trabalhar constantemente com intenção reta.

Quasi modo geniti infantes… Tem-me dado alegria difundir por toda a parte esta mentalidade de filhos pequenos de Deus, que nos fará saborear essas outras palavras que também se incluem na liturgia da Missa: Todo aquele que nasceu de Deus vence o mundo, transpõe as dificuldades, consegue a vitória, nesta grande batalha pela paz das almas e da sociedade.

A nossa sabedoria e a nossa força residem precisamente em termos a convicção da nossa pequenez, do nosso nada aos olhos de Deus. Mas é Ele quem, ao mesmo tempo, nos estimula a trabalhar com uma segura confiança e a anunciar Jesus Cristo, seu Filho Unigênito, apesar dos nossos erros e das nossas misérias pessoais, sempre que, a par da fraqueza, não falte a luta por vencê-la.

Ter-me-eis ouvido repetir com freqüência aquele conselho da Escritura Santa: Discite benefacere, aprendei a fazer o bem, porque não há dúvida de que devemos aprender e ensinar a fazer o bem. Temos de começar por nós mesmos, empenhando-nos em descobrir qual é o bem que devemos ambicionar para cada um de nós, para cada um dos nossos amigos, para cada um dos homens. Não conheço caminho melhor do que esse para considerarmos a grandeza de Deus, partindo da perspectiva inefável e singela de que Ele é nosso Pai e nós somos seus filhos.

A piedade que nasce da filiação divina é uma atitude profunda da alma, que acaba por informar a existência inteira: está presente em todos os pensamentos, em todos os desejos, em todos os afetos. Porventura não observamos já que, nas famílias, os filhos, mesmo sem o perceberem, imitam seus pais, repetem os seus gestos, os seus costumes, adotam tantas vezes idêntico modo de comportar-se?

O mesmo se passa na conduta do bom filho de Deus: consegue-se também - sem que se saiba como nem por que caminho - um endeusamento maravilhoso, que nos ajuda a focalizar os acontecimentos com o relevo sobrenatural da fé. Amam-se todos os homens como o nosso Pai do Céu os ama e - isto é o que mais conta - obtemos um brio novo no nosso esforço diário por aproximar-nos do Senhor. Pouco importam as misérias, insisto, porque aí estão os braços amorosos do nosso Pai-Deus para nos levantarem.

Se bem repararmos, existe uma grande diferença entre uma criança e uma pessoa mais velha, quando caem. Para as crianças, a queda geralmente não tem importância: tropeçam com tanta freqüência! E, se por acaso lhes escapam umas lágrimas grandes, o pai explica-lhes: Os homens não choram. Assim se encerra o incidente, com o garoto empenhado em contentar o pai.

Vede, porém, o que acontece quando quem perde o equilíbrio e cai de bruços no chão é um homem adulto. Se não fosse pela compaixão, provocaria hilaridade, riso. Mas, além disso, a queda pode ter conseqüências graves e, se se trata de um ancião, talvez chegue a produzir uma fratura irreparável.

Na vida interior, a todos nos convém ser quasi modo geniti infantes, como crianças recém-nascidas, como esses pequeninos que parecem de borracha, que até se divertem com os seus tombos, porque logo se põem de pé e continuam com as suas correrias; e porque também não lhes falta - quando é necessário - o consolo de seus pais.

Se procurarmos comportar-nos como eles, os tropeções e os fracassos na vida interior - aliás, inevitáveis - nunca desembocarão na amargura. Reagiremos com dor, mas sem desânimo e com um sorriso que brota, como água límpida, da alegria da nossa condição de filhos desse Amor, dessa grandeza, dessa sabedoria infinita, dessa misericórdia que é o nosso Pai. Ao longo dos meus anos de serviço ao Senhor, aprendi a ser filho pequeno de Deus. E o mesmo peço a todos vós: que sejais quasi modo geniti infantes, como crianças recém-nascidas, crianças que desejam a palavra de Deus, o pão de Deus, o alimento de Deus, a fortaleza de Deus, para vos comportardes de futuro como homens cristãos.

Sede muito crianças! E quanto mais, melhor. É o que vos diz a experiência deste sacerdote, que teve de levantar-se muitas vezes ao longo destes trinta e seis anos - que longos e que curtos se fizeram para mim! -, em que vem procurando cumprir uma Vontade precisa de Deus. Uma coisa me ajudou sempre: continuar a ser criança e meter--me continuamente no regaço de minha Mãe e no Coração de Cristo, meu Senhor.

As grandes quedas, as que causam sérios estragos na alma, e algumas vezes com resultados quase irremediáveis, procedem sempre da soberba de nos julgarmos pessoas crescidas, auto-suficientes. Nesses casos, predomina na pessoa uma espécie de incapacidade para pedir assistência a quem a pode proporcionar: não apenas a Deus, mas também ao amigo, ao sacerdote. E aquela pobre alma, isolada na sua desgraça, afunda-se na desorientação, no descaminho.

Supliquemos a Deus, agora mesmo, que jamais permita que nos sintamos satisfeitos, que aumente sempre em nós a ânsia do seu auxílio, da sua palavra, do seu Pão, do seu consolo, da sua fortaleza: rationabile, sine dolo lac concupiscite, desejai ardentemente o leite do espírito, sem mistura de fraude: fomentai a fome, a aspiração de ser como crianças. Convencei-vos de que é a melhor forma de vencer a soberba. Persuadi-vos de que é o único remédio para que a nossa conduta seja boa, seja grande, seja divina. Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e vos tornardes como meninos, não entrareis no reino dos céus.

Vêm-me de novo à cabeça aquelas recordações da minha juventude. Que demonstração de fé! Parece-me ouvir ainda o canto litúrgico, respirar o aroma do incenso, ver milhares e milhares de homens, cada um com o seu grande círio - que era como que o símbolo da sua miséria -, mas com coração de crianças: de criaturas que talvez não consigam chegar com os olhos ao rosto de seu pai. Reconhece e toma consciência de como é mau e amargo para ti teres-teafastado do teu Deus. Renovemos a firme decisão de não nos afastarmos nunca do Senhor por causa das preocupações da terra. Aumentemos a sede de Deus com propósitos concretos para a conduta: como criaturas que reconhecem a sua indigência e procuram e chamam incessantemente por seu Pai.

Mas volto ao que vos comentava antes: temos de aprender a ser como crianças, temos de aprender a ser filhos de Deus. E, de passagem, transmitir aos outros essa mentalidade que, no meio das naturais fraquezas, nos fará fortes na fé, fecundos nas obras e seguros no caminho, de modo que, seja qual for a espécie de erro que possamos cometer, mesmo o mais desagradável, não vacilaremos nunca em reagir e em retornar a essa senda mestra da filiação divina, que termina nos braços abertos e expectantes do nosso Pai-Deus.

Quem de vós não se lembra dos braços de seu pai? Provavelmente não seriam tão mimosos, tão doces e delicados como os da mãe. Mas aqueles braços robustos, fortes, apertavam-nos com calor e com segurança. Senhor, obrigado por esses braços duros. Obrigado por essas mãos fortes. Obrigado por esse coração terno e rijo. Ia dar-te graças também pelos meus erros! Não, que não os queres! Mas Tu os compreendes, os desculpas e os perdoas.

Esta é a sabedoria que Deus espera que pratiquemos na vida de relação com Ele. Esta, sim, é que é uma manifestação de ciência matemática: reconhecer que somos um zero à esquerda… Mas o nosso Pai-Deus ama a cada um de nós tal como é - tal como é! Eu - e não sou senão um pobre homem - amo a cada um de vós tal como é. Imaginai então como será o Amor de Deus! Contanto que lutemos, contanto que nos empenhemos em dispor a vida na linha da nossa consciência, bem formada.

Referências da Sagrada Escritura
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