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Há 5 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Vida sobrenatural  → vida interior e apostolado.

Vida interior: é uma exigência da chamada que o Mestre colocou na alma de todos. Temos que ser santos - vou dizê-lo com uma frase castiça da minha terra - sem que nos falte um pêlo*: cristãos de verdade, autênticos, canonizáveis. E, senão, teremos fracassado como discípulos do único Mestre.

Vede, além disso, que Deus, ao fixar a atenção em nós, ao conceder-nos a sua graça para que lutemos por alcançar a santidade no meio do mundo, nos impõe também a obrigação do apostolado. Apercebei-vos de que, até humanamente, como diz um Padre da Igreja, a preocupação pelas almas brota como uma conseqüência lógica dessa eleição: Quando descobrisque alguma coisa vos foi de proveito, procurais atrair os outros. Tendes, pois, que desejar que haja outros que vos acompanhem pelos caminhos do Senhor. Se ides ao foro ou às termas, e deparais com alguém que está desocupado, vós o convidais a acompanhar-vos. Aplicai ao campo espiritual este costume terreno e, quando fordes a Deus, não o façais sozinhos.

Se não queremos malbaratar o tempo inutilmente - mesmo com as falsas desculpas das dificuldades exteriores do ambiente, que nunca faltaram desde os inícios do cristianismo -, devemos ter muito presente que Jesus Cristo vinculou ordinariamente à vida interior a eficácia da ação com que procuramos arrastar os que nos rodeiam. Para influirmos mediante a atividade apostólica, Cristo estabeleceu como condição a santidade; corrijo-me, o esforço da nossa fidelidade, porque santos na terra não o seremos nunca. Parece incrível, mas Deus e os homens precisam da nossa fidelidade sem paliativos, sem eufemismos, que chegue até as últimas conseqüências, sem medianias nem barganhas, em plenitude de vocação cristã assumida e praticada com esmero.

(*) Expressão equivalente a “da cabeça aos pés” (N. do T.).

Jesus tinha trabalhado muito na véspera e, enquanto caminhava, sentiu fome. Movido por essa necessidade, dirige-se àquela figueira que, lá longe, mostra uma folhagem esplêndida. Relata-nos São Marcos que não era tempo de figos; mas Nosso Senhor aproxima-se para os colher, sabendo muito bem que nessa estação não os encontraria. E ao verificar a esterilidade da árvore com aquela aparência de fecundidade, com aquela abundância de folhas, ordena: Nunca jamais coma ninguém frutos de ti.

São palavras duras, sim! Nunca jamais nasça fruto de ti! Como ficariam os discípulos, sobretudo ao considerarem que era a Sabedoria de Deus que falava! Jesus amaldiçoa aquela árvore, porque encontrou só aparência de fecundidade, folhagem. Deste modo aprendemos que não há desculpas para a ineficácia. Talvez alguém diga: Não tenho conhecimentos suficientes… Não há desculpa! Ou afirme: Éque a doença, é que o meu talento não é grande, é que as condições não são favoráveis, é que o ambiente… Também não valem essas desculpas! Ai de quem se enfeita com a folharada de um falso apostolado, ai de quem ostenta a frondosidade de uma aparente vida fecunda, sem tentativas sinceras de conseguir fruto! Parece que aproveita o tempo, que se mexe, que organiza, que inventa um modo novo de resolver tudo… Mas é improdutivo. Ninguém se alimentará com as suas obras desprovidas de seiva sobrenatural.

Peçamos ao Senhor que nos torne almas dispostas a trabalhar com heroísmo feraz, pois não faltam muitos na terra que, quando as pessoas se aproximam deles, só revelam folhas - grandes, reluzentes, lustrosas… Só folhagem, exclusivamente folhagem, e nada mais. E as almas olham para nós com a esperança de saciar a sua fome, que é fome de Deus. Não é possível esquecer que contamos com todos os meios para isso: com a doutrina suficiente e com a graça do Senhor, apesar das nossas misérias.

Donde tirava São Paulo essa força? Omnia possum in eo qui me confortat, tudo posso nAquele que me conforta! Tudo posso, porque só Deus me dá esta fé, esta esperança, esta caridade. Custa-me muito crer na eficácia sobrenatural de um apostolado que não esteja apoiado, solidamente alicerçado, numa vida contínua de intimidade com o Senhor. No meio do trabalho, sim; dentro de casa ou no meio da rua, com todos os problemas, uns mais importantes que outros, que surgem todos os dias. Ali, não fora dali, mas com o coração em Deus. E então as nossas palavras e as nossas ações - e até as nossas misérias! - exalarão o bonus odor Christi, o bom odor de Cristo, que os outros forçosamente hão de perceber: aqui está um cristão.

E depois, quem foi que disse que, para falar de Cristo, para difundir a sua doutrina, é preciso fazer coisas esquisitas, estranhas? Faze a tua vida normal; trabalha onde estás, procurando cumprir os deveres do teu estado, acabar bem as tarefas da tua profissão ou do teu ofício, superando-te, melhorando dia a dia. Sê leal, compreensivo com os outros e exigente contigo mesmo. Sê mortificado e alegre. Esse será o teu apostolado. E sem saberes por quê, dada a tua pobre miséria, os que te rodeiam virão ter contigo e, numa conversa natural, simples - à saída do trabalho, numa reunião familiar, no ônibus, ao dar um passeio, em qualquer parte -, falareis de inquietações que existem na alma de todos, embora às vezes alguns não as queiram reconhecer: irão entendendo-as melhor quando começarem a procurar Deus a sério.

Pede a Maria, Regina apostolorum, Rainha dos Apóstolos, que te decidas a participar nas ânsias desementeira e de pesca que palpitam no Coração do seu Filho. Eu te asseguro que, se começares, verás a barca repleta, como os pescadores da Galiléia. E Cristo na margem, à tua espera. Porque a pesca é dEle.

Eu vos livrarei do cativeiro, estejais onde estiverdes. Livramo-nos da escravidão pela oração: sabemo-nos livres, voando num epitalâmio de alma apaixonada, num cântico de amor, que nos impele a não desejar afastar-nos de Deus. Um novo modo de andar na terra, um modo divino, sobrenatural, maravilhoso. Recordando tantos escritores castelhanos quinhentistas, talvez nos agrade saborear isto por nossa conta: Vivo porque não vivo; é Cristo que vive em mim!*

Aceita-se com gosto a necessidade de trabalhar neste mundo durante muitos anos, porque Jesus tem poucos amigos cá em baixo. Não recusemos a obrigação de viver, de gastar-nos - bem espremidos - a serviço de Deus e da Igreja. Desta maneira, em liberdade: in libertatem gloriae filiorum Dei, qua libertate Christusnos liberavit; com a liberdade dos filhos de Deus, que Jesus Cristo nos conquistou morrendo sobre o madeiro da Cruz.

(*) Alusão, entre outras, ao poema de Santa Teresa: Vivo sin vivir en mí (N. do T.)