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Há 10 pontos em "Amigos de Deus", cuja matéria seja Vida sobrenatural  → transformar o trabalho em oração.

Vou prosseguir estes momentos de conversa diante do Senhor servindo-me de uma nota que utilizei anos atrás e que conserva toda a sua atualidade. Apontei então umas considerações de Santa Teresa de Ávila: Tudo o que acaba e não contenta a Deus é nada e menos que nada. Compreendemos agora por que uma alma deixa de saborear a paz e a serenidade quando se afasta do seu fim, quando se esquece de que Deus a criou para a santidade? Esforçai-vos por não perder nunca este “ponto de mira” sobrenatural, mesmo à hora do lazer ou do descanso, tão necessários quanto o trabalho na vida de cada um.

Bem podeis chegar ao cume da vossa tarefa profissional, bem podeis alcançar os triunfos mais retumbantes, como fruto dessa libérrima iniciativa com que exerceis as atividades temporais; que, se abandonais esse sentido sobrenatural que deve presidir a todos os nossos afazeres humanos, tereis errado lamentavelmente de caminho.

Mas voltemos ao nosso tema. Dizia-vos antes que bem podeis conseguir os êxitos mais espetaculares no terreno social, na atuação pública, nos afazeres profissionais; que, se vos desleixardes interiormente e vos afastardes do Senhor, no fim tereis fracassado rotundamente. Perante Deus - e é o que conta em última análise -, consegue a vitória aquele que luta por comportar-se como cristão autêntico; não é possível uma solução intermédia. Por isso conheceis tantos que - se apreciarmos a sua situação com olhos humanos - deveriam sentir-se muito felizes e, no entanto, arrastam uma existência inquieta, acre; parece que vendem alegria a granel, mas basta arranhar-lhes um pouco a alma para ficar a descoberto um sabor acerbo, mais amargo que o fel. Não nos acontecerá o mesmo a nenhum de nós, se de verdade procurarmos cumprir constantemente a Vontade de Deus, dar-lhe glória, louvá-lo e estender o seu reinado entre todas as criaturas.

A humildade do Senhor era outro golpe para aquele modo de consumir a vida, ocupado cada um apenas consigo próprio. Estando em Roma, comentei repetidas vezes - e talvez já mo tenhais ouvido dizer - que, por debaixo desses arcos, hoje em ruínas, desfilavam triunfantes, fátuos, empertigados, cheios de soberba, os imperadores e seus generais vitoriosos. E, ao atravessarem aqueles monumentos, talvez baixassem a cabeça com receio de baterem no arco grandioso com a majestade de suas frontes. Mas Cristo, humilde, também não declara: conhecerão que sois meus discípulos se fordes humildes e modestos.

Quereria fazer-vos notar que, depois de vinte séculos, continua a ressoar com toda a pujança da novidade o Mandamento do Mestre, que é uma espécie de carta de apresentação do verdadeiro filho de Deus. Ao longo de toda a minha vida sacerdotal, tenho pregado com muitíssima freqüência que, infelizmente para muitos, esse mandamento continua a ser novo porque nunca ou quase nunca se esforçaram por praticá-lo. É triste, mas é assim. E não há dúvida nenhuma de que a afirmação do Messias ressalta de modo terminante: Nisto vos conhecerão, em que vos amais uns aos outros! Por isso, sinto a necessidade de recordar constantemente essas palavras do Senhor. E São Paulo acrescenta: Levai uns as cargas dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo.

Momentos perdidos, talvez com a falsa desculpa de que te sobra tempo… Se há tantos irmãos, amigos teus, sobrecarregados de trabalho! Com delicadeza, com cortesia, com um sorriso nos lábios, ajuda-os de tal maneira que seja quase impossível que o notem; e que nem se possam mostrar agradecidos, porque a discreta finura da tua caridade fez com que ela passasse despercebida.

Não tinham tido um instante livre, argumentariam aquelas infelizes que iam com as lâmpadas vazias. Aos operários da praça, sobrava-lhes a maior parte do dia, porque não se sentiam obrigados a prestar serviço, embora o Senhor os buscasse contínua e urgentemente desde a primeira hora. Aceitemos nós o chamado, respondendo que sim, e suportemos por amor - que já não é suportar - o peso do dia e do calor.

Costumo dizer com freqüência que, nestes momentos de conversa com Jesus, que nos vê e nos escuta do Sacrário, não podemos cair numa oração impessoal. E explico que, para meditarmos de modo que se instaure imediatamente um diálogo com o Senhor - não é preciso nenhum ruído de palavras -, temos que sair do anonimato, colocar-nos na presença divina tal como somos, sem nos emboscarmos na multidão que enche a igreja, nem nos diluirmos numa enfiada de palavreado oco, que não brota do coração, mas, no melhor dos casos, de um hábito despojado de conteúdo.

Pois bem: agora acrescento que também o teu trabalho deve ser oração pessoal, tem de converter-se num grande colóquio com o nosso Pai do Céu. Se buscas a santificação em e através da tua atividade profissional, terás necessariamente de esforçar-te para que se converta numa oração sem anonimato. Também as tuas ocupações não podem cair na obscuridade anódina de uma tarefa rotineira, impessoal, porque nesse mesmo instante teria morrido o aliciante divino que anima os teus afazeres cotidianos.

Vêm-me agora à memória as minhas viagens às frentes de batalha durante a guerra civil espanhola. Sem contar com meio humano algum, acorria aonde se encontrasse qualquer um que precisasse do meu trabalho de sacerdote. Naquelas circunstâncias tão peculiares, que talvez a muitos dessem pretexto para justificar as suas omissões e desleixos, não me limitava a sugerir um conselho simplesmente ascético. Dominava-me então a mesma preocupação que sinto agora e que estou procurando que o Senhor desperte em cada um de vós: interessava-me pelo bem daquelas almas e também pela sua alegria aqui na terra; animava-os a aproveitar o tempo em tarefas úteis, a lutar para que a guerra não constituísse uma espécie de parêntese fechado em suas vidas; pedia-lhes que não se desleixassem, que fizessem o possível para não converter a trincheira e a guarita numa espécie de sala de espera das estações ferroviárias de então, onde a gente matava o tempo, esperando aqueles trens que parecia que não iam chegar nunca…

Sugeria-lhes concretamente que se ocupassem em alguma atividade de proveito - estudar, aprender línguas, por exemplo - compatível com o seu serviço de soldados; aconselhava-os a nunca deixarem de ser homens de Deus e a procurarem que toda a sua conduta fosse operatio Dei, trabalho de Deus. E comovia-me ao verificar que esses rapazes, em situações nada fáceis, correspondiam maravilhosamente: notava-se a solidez da sua têmpera interior.

Lembro-me também da temporada da minha permanência em Burgos, durante essa mesma época. Lá apareciam muitos, para passar uns dias comigo nos períodos de licença, além dos que se encontravam em serviço nos quartéis da região. Como moradia, compartilhava com um punhado de filhos meus o mesmo quarto de um hotel bem deteriorado. Faltava-nos até o imprescindível, mas lá nos arranjávamos para que os que vinham - eram centenas! - tivessem o necessário para descansar e repor as forças.

Tinha o costume de sair a passear pelas margens do Arlanzón, enquanto conversava com eles, enquanto ouvia as suas confidências, enquanto procurava orientá-los com o conselho adequado que lhes confirmasse ou lhes abrisse horizontes novos de vida interior. E sempre, com a ajuda de Deus, animava-os, inflamava-os, estimulava-os a prosseguir na sua conduta de cristãos. Às vezes, as nossas caminhadas chegavam até o mosteiro de Las Huelgas e, em outras ocasiões, dávamos uma escapada até a Catedral.

Gostava de subir a uma torre, para que contemplassem os lavores cimeiros, um autêntico rendilhado de pedra, fruto de um trabalho paciente, custoso. Nessas conversas, fazia-os notar que aquela maravilha não se via lá de baixo. E, para materializar o que com repetida freqüência lhes havia explicado, comentava-lhes: Assim é o trabalho de Deus, a obra de Deus!: acabar as tarefas pessoais com perfeição, com beleza, com o primor destas delicadas rendas de pedra. Diante dessa realidade que entrava pelos olhos dentro, compreendiam que tudo isso era oração, um diálogo belíssimo com o Senhor. Os que haviam consumido as suas energias nessa tarefa sabiam perfeitamente que das ruas da cidade ninguém apreciaria o seu esforço: era só para Deus. Entendes agora como é que a vocação profissional pode aproximar de Deus? Faze tu o mesmo que aqueles canteiros, e o teu trabalho será também operatio Dei, um trabalho humano com raízes e perfis divinos.

Convencidos de que Deus se encontra em toda a parte, cultivamos os campos louvando o Senhor, sulcamos os mares e exercemos todos os demais ofícios cantando as suas misericórdias. Desta maneira estamos unidos a Deus a todo o momento. Mesmo que vos encontreis isolados, fora do vosso ambiente habitual - como aqueles rapazes nas trincheiras -, vivereis metidos no Senhor, através desse trabalho pessoal e esforçado, contínuo, que tereis sabido converter em oração, porque o tereis começado e concluído na presença de Deus Pai, de Deus Filho e de Deus Espírito Santo.

Mas não esqueçais que estamos também na presença dos homens, e que estes esperam de nós - de ti! - um testemunho cristão. Por isso temos que atuar de tal maneira nas ocupações profissionais, nas coisas humanas, que não possamos sentir vergonha se nos vê trabalhar quem nos conhece e nos ama, nem lhe demos motivos para ruborizar-se. Se vos conduzis de acordo com este espírito que procuro ensinar-vos, não fareis corar os que em vós confiam nem vos afluirá o sangue ao rosto. E também não vos acontecerá o que aconteceu com aquele homem da parábola que se propôs edificar uma torre: Depois de ter lançado os alicerces e não podendo concluí-la, todos os que o viam começavam a zombar dele dizendo: Este homem começou a edificar e não pôde terminar. Assevero-vos que, se não perderdes o “ponto de mira” sobrenatural, coroareis a vossa tarefa, acabareis a vossa catedral, até colocardes a última pedra.

Possumus!, podemos, podemos vencer também esta batalha, com a ajuda do Senhor. Persuadi-vos de que não é difícil converter o trabalho num diálogo de oração. É só oferecê-lo e pôr mãos à obra, que já Deus nos escuta e nos alenta. Alcançamos o estilo das almas contemplativas, no meio do trabalho cotidiano! Porque nos invade a certeza de que Ele nos olha, ao mesmo tempo que nos pede um novo ato de auto-domínio: esse pequeno sacrifício, o sorriso para a pessoa inoportuna, esse começar pela tarefa menos agradável, mas mais urgente, o cuidar dos pormenores de ordem, com perseverança no cumprimento do dever, quando seria tão fácil abandoná-lo, o não deixar para amanhã o que temos que terminar hoje: tudo para dar gosto a Ele, ao nosso Pai-Deus! E talvez sobre a tua mesa, ou num lugar discreto que não chame a atenção, mas que te sirva como despertador do espírito contemplativo, colocas o crucifixo, que já é para a tua alma e para a tua mente o manual em que aprendes as lições de serviço.

Se te decides - sem esquisitices, sem abandonares o mundo, no meio das tuas ocupações habituais - a enveredar por estes caminhos de contemplação, logo te sentirás amigo do Mestre, com a divina incumbência de abrir as sendas divinas da terra à humanidade inteira. Sim. Com esse teu trabalho, contribuirás para a extensão do reinado de Cristo em todos os continentes. E suceder-se-ão, uma após outra, as horas de trabalho oferecidas pelas longínquas nações que nascem para a fé, pelos povos do Oriente impedidos barbaramente de professar com liberdade as suas crenças, pelos países de antiga tradição cristã, onde parece ter-se obscurecido a luz do Evangelho e as almas se debatem entre as sombras da ignorância… Então, que valor não adquire essa hora de trabalho!, esse continuar com o mesmo empenho por mais algum tempo, por mais alguns minutos, até terminar a tarefa! De um modo prático e simples, convertes a contemplação em apostolado, como uma necessidade imperiosa do coração, que pulsa em uníssono com o dulcíssimo e misericordioso Coração de Jesus, Senhor Nosso.

Mas, se abundam os medrosos e os frívolos, há nesta nossa terra muitos homens retos que, impelidos por um ideal nobre - embora sem motivo sobrenatural, por filantropia -, arrostam toda a espécie de privações e se gastam generosamente a servir os outros, a ajudá-los em seus sofrimentos ou em suas dificuldades. Sempre me sinto inclinado a respeitar e mesmo a admirar a tenacidade de quem trabalha decididamente por um ideal limpo. No entanto, considero obrigação minha recordar que tudo o que empreendemos aqui, se é iniciativa exclusivamente nossa, nasce com o selo da caducidade. Meditemos as palavras da Escritura: Quando me pus a considerar todas as obras de minhas mãos e o trabalho a que me tinha dado para fazê-las, vi que tudo é vaidade e vento que passa; não há nada de proveitoso debaixo do sol.

Esta precariedade não sufoca a esperança. Pelo contrário, quando reconhecemos a pequenez e a contingência das iniciativas terrenas, o nosso trabalho abre-se à autêntica esperança, que alevanta todos os afazeres humanos e os converte em pontos de encontro com Deus. Ilumina-se assim essa tarefa com uma luz perene, que afasta as trevas das desilusões. Mas, se transformamos os projetos temporais em metas absolutas, cancelando do horizonte a morada eterna e o fim para que fomos criados - amar e louvar o Senhor, e possuí-lo depois no Céu -, os mais brilhantes empreendimentos se tornam traições e mesmo veículo para aviltar as criaturas. Recordemos a sincera e famosa exclamação de Santo Agostinho, que havia passado por tantas amarguras enquanto desconhecia Deus e procurava fora dEle a felicidade: Criaste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em ti! Talvez na vida dos homens não haja nada de mais trágico que os enganos que sofrem pela corrupção ou pela falsificação da esperança, apresentada numa perspectiva que não tem por objeto o Amor que sacia sem saciar.

A mim, e desejo que o mesmo aconteça a todos vós, a certeza de me sentir - de me saber - filho de Deus cumula-me de verdadeira esperança, uma esperança que, por ser virtude sobrenatural, ao ser infundida nas criaturas, se amolda à nossa natureza e é também virtude muito humana.

Vivo feliz com a certeza do Céu que havemos de alcançar, se permanecermos fiéis até o fim; com a ventura que nos chegará quoniam bonus, porque o meu Deus é bom e é infinita a sua misericórdia. Esta convicção incita-me a compreender que só as coisas marcadas com o timbre de Deus revelam o sinal indelével da eternidade; e o seu valor é imperecível. Por isso, a esperança não me separa das coisas desta terra, antes me aproxima dessas realidades de um modo novo, cristão, que se esforça por descobrir em tudo a relação da natureza, decaída, com Deus Criador e com Deus Redentor.

Talvez mais de um pergunte: Nós, os cristãos, em que devemos esperar? Porque o mundo nos oferece muitos bens, apetecíveis para este nosso coração, que reclama felicidade e busca ansiosamente o amor. Além disso, queremos semear a paz e a alegria a mãos cheias, não ficamos satisfeitos com a consecução de uma prosperidade pessoal e procuramos que estejam contentes todos os que nos rodeiam.

Infelizmente, alguns, com uma visão digna mas sem relevo, com ideais exclusivamente caducos e fugazes, esquecem que os anelos do cristão devem orientar-se para cumes mais elevados: infinitos. O que nos interessa é o próprio Amor de Deus, que gozemos dele plenamente, com um gozo sem fim. Temos verificado de muitas maneiras que as coisas cá de baixo hão de passar para todos: quando este mundo acabar; e mesmo antes, para cada um, com a morte, porque nem as riquezas nem as honrarias nos acompanham ao sepulcro. Por isso, com as asas da esperança, que anima o nosso coração a elevar-se até Deus, aprendemos a rezar assim: In te Domine speravi, non confundar in aeternum, espero em ti, Senhor, para que me dirijas com as tuas mãos, agora e a todo o instante, pelos séculos dos séculos.

É preciso vencer, se por acaso a notamos, a poltronaria, o falso critério de que a oração pode esperar. Não adiemos nunca para amanhã essa fonte de graças. O tempo oportuno é agora. Deus, que é espectador amoroso de todo o nosso dia, preside à nossa íntima prece. E tu e eu - volto a garantir - temos de confiar-nos a Ele como nos confiamos a um irmão, a um amigo, a um pai. Dize-lhe - eu lho digo - que Ele é toda a Grandeza, toda a Bondade, toda a Misericórdia. E acrescenta: Por isso quero enamorar-me de ti, apesar de serem tão toscas as minhas maneiras, apesar destas minhas pobres mãos, gastas e maltratadas pelo pó das azinhagas da terra.

Assim, quase sem perceber, avançaremos com passadas divinas, firmes e vigorosas, em que se saboreia o íntimo convencimento de que junto ao Senhor também são aprazíveis a dor, a abnegação, os sofrimentos. Que fortaleza, para um filho de Deus, saber-se tão perto de seu Pai! Por isso, aconteça o que acontecer, estou firme, seguro contigo, meu Senhor e meu Pai, que és a rocha e a fortaleza.

Referências da Sagrada Escritura
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